Até o momento, poucas nações africanas sentiram fortemente os efeitos da crise econômica, principalmente por não terem sistemas bancários atrelados a investimentos externos nem estruturas financeiras modernas. Além disso, a reduzida diversificação de suas economias, bastante ligadas a matérias-primas, funciona neste período como um escudo, pois não há perdas industriais significativas.
Angola, ex-colônia portuguesa localizada no Golfo da Guiné e terceira maior exportadora africana de petróleo, é um bom exemplo. De acordo com o Banco Mundial, as políticas fiscais e monetárias aplicadas nos últimos seis anos pelo governo angolano ajudaram a diminuir a inflação e a manter altas taxas de crescimento do PIB (Produto Interno Bruto), numa média de 14% ao ano neste período. A expectativa para 2010 é de chegar a US$ 100 bilhões.
Para o representante e economista senior do Banco Mundial para Angola, Ricardo Gazel, o baixo preço do petróleo no mercado pode desacelerar o forte crescimento a longo prazo, mas em proporção menor do que a verificada em outros países. Cerca de 90% da economia angolana é estruturada em torno da exploração do petróleo e o restante, na mineração de pedras preciosas, principalmente o diamante.
O grande interesse estrangeiro, com destaque para a China, no óleo angolano, deve assegurar o forte enriquecimento de Angola, na opinião do cientista político da PUC-SP e consultor em Relações Internacionais com especialização em África, Cláudio Ribeiro. “Antes do estouro da crise econômica, já era esperada a instabilidade no preço das commodities em 2007. As petrolíferas estrangeiras veem em Angola um mercado seguro, longe dos grandes centros. Por isso, não deixaram de investir e firmaram contratos longos, que garantirão rendimento por muitos anos”, explica Ribeiro.
Expectativa de vida é de 40 anos
No entanto, o crescimento em dois dígitos de Angola não aliviou os terríveis índices sociais do país, que ainda carrega cicatrizes de uma tardia independência – conquistada em 1975 – e uma longa e dolorosa guerra civil, cessada em 2002, com a morte de Jonas Savimbi, líder da Unita (União Nacional para a Independência Total de Angola). O atual presidente, José Eduardo dos Santos, pertencente ao MPLA (Movimento Popular de Libertação de Angola). O MPLA e a Unita travaram 27 anos de conflitos, que vitimaram 1,5 milhão de pessoas e tornaram Angola um dos países com mais minas terrestres no mundo.
“Angola ainda não é uma democracia. Há uma elite oriunda dos royalties do petróleo que domina o Poder Executivo e também a maioria das terras angolanas. Os negócios são fechados com essas pessoas, extremamente ricas e que impedem a distribuição da renda”, salienta o cientista político. Enquanto residências erguidas por construtoras estrangeiras, como a brasileira Odebrecht – que também atua como petrolífera, mineradora e imobiliária no país – custam US$ 5 milhões e são rapidamente vendidas, a expectativa de vida em Angola é de 40 anos.
O descaso do governo com as camadas mais pobres, de acordo com Cláudio Ribeiro, pode culminar em novos conflitos e numa justificada revolta popular. “Angola precisa migrar para uma economia de fato. O bom posicionamento do país no quadro geral africano, devido ao seu crescimento, pode ser comprometido pelo pouco que vem sendo feito pelos angolanos”, destaca Ribeiro.
Nos próximos dias, o Opera Mundi vai mostrar como a crise se manifesta em diversos países, com reportagens produzidas por seus correspondentes internacionais e também na redação. Amanhã, a Argentina.
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