O governo de Cristina Fernández de Kirchner lançou no mês passado a maior bateria de medidas de estímulo à economia desde meados do século 20, em resposta ao impacto interno da crise mundial. O objetivo é aquecer a atividade econômica, preservar o emprego e garantir votos nas eleições regionais de outubro.
O terceiro trimestre de 2008 foi o de menor crescimento dos últimos cinco anos. O PIB (Produto Interno Bruto) subiu somente 1,3% com relação ao mesmo período do ano anterior. O dado anual ainda não foi divulgado, mas a Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe (Cepal) prevê crescimento de apenas 2,6% em 2009, contra 7,5% em 2008.
O plano inclui investimentos em obras públicas, financiamentos para a compra de automóveis e eletrodomésticos a prazo, aumento para aposentados, redução de impostos para exportação agrícola, eliminação da progressividade do imposto e um controverso projeto de lei de anistia sobre capital enviado ao exterior ou que esteja no circuito informal.
Os últimos anúncios da presidente, em 22 de dezembro, centraram-se na agricultura, setor que mais a criticou durante os primeiros meses de seu mandato, e com o qual o governo esteve em constante queda de braço por causa da política tributária.
Os incentivos fiscais diretos beneficiaram 120 mil produtores, disse ela. Cristina também ordenou pagamentos excepcionais de fim de ano para os beneficiários de planos de assistência social e para aqueles que ganham os salários mais baixos no setor privado.
“Os anúncios são atrasados e insuficientes. O produtor de trigo vai perder um pouco menos de dinheiro, mas não vai conseguir plantar no próximo ano”, disse Ricardo Buryaile, segundo vice-presidente da Confederação Agrícola Argentina (CRA). Para Ulisses Forte, segundo vice-presidente da Federação Agrária Argentina (FAA), os anúncios aprofundam o modelo fiscal de arrecadação com base na soja. “Essas medidas mão mudam nada”.
Capital político desgastado
A rejeição dos setores agrícolas ao plano do governo se originou na recusa em alterar o regime dos impostos sobre as exportações de soja. Este confronto com as áreas enriquecidas pelo boom da soja consumiu parte do capital político kirchnerista em 2008.
“As medidas governamentais irão permitir a manutenção da atividade econômica através de incentivos diretos para consumo durante os anos em que a crise durar”, defendeu Agustín Rossi, presidente da coligação Frente para a Vitória (pela qual Cristina se elegeu) na Câmara dos Deputados.
Com a lei que regulariza recursos enviados ao exterior, aprovada pelos deputados em dezembro, o governo espera repatriar US$ 1,5 bilhão (R$ 3,4 bilhões). Mas a oposição diz que a medida pode servir para dissimular a origem dos recursos.
“O imposto aplicado na repatriação [do dinheiro] será decrescente à medida que os capitais se envolvam na produção”, explicou Rossi. “A Argentina tinha que criar um instrumento que tornasse atrativa a formalização desses fundos”.
Rossi, responsável por alinhar a bancada governista, disse que o governo vai reinjetar no mercado os fundos de pensão recuperados pelo Estado após a nacionalização das administradoras de fundos de pensão conhecidas como AFJP. Serão investidos ainda cerca de 55 bilhões de pesos (R$ 36 bilhões) num plano de obras públicas e 13,2 bilhões de pesos (R$ 8,7 bilhões) em empréstimos para empresas.
No entanto, o plano deve enfrentar a queda abrupta do superávit fiscal que acompanha a redução nos preços internacionais das commodities.
“Colapso” à vista
Rosendo Fraga, diretor do Centro de Estudos Nueva Mayoría, assegurou que a Argentina sofrerá um “colapso econômico” causado pela dependência em relação às commodities. “A recuperação do país foi de 9% ao ano, durante sete anos, e agora cairá a menos 4%. A arrecadação cresceu apenas 17%, enquanto o gasto público cresceu 45%. O que vem com uma queda não se corrige com paliativos de consumo”, enfatizou.
“Ainda que os volumes exportados não caiam tanto, os preços internacionais dos alimentos já caíram pela metade”, apontou Fraga, que fez um prognóstico para as eleições regionais de outubro. “Nenhum governo vai ganhar eleições este ano. A chave para o governo Kirchner será a província de Buenos Aires [maior densidade populacional do país]. A crise vem de fora, mas política é local. Apenas uma vitória [do governo] nesta província poderia compensar os resultados em outras”.
Isso explica, segundo o analista de centro-direita, que o governo tenha concentrado as obras públicas de seu plano em Buenos Aires e anunciado uma nova repartição das receitas federais para a província aumentar seus recursos em 6%. Ele também disse que a estratégia política dos Kirchner em 2009 contará com o sistema tradicional de clientelismo do Partido Justicialista (peronista), para assegurar um terreno eleitoral de 30% a 35% na Grande Buenos Aires.
Para Agustín Rossi, o ano eleitoral “vai funcionar bem”. “A opinião pública em geral tem boa avaliação do plano anticrise do governo”.
O governo argentino optou por aplicar a fórmula de outros paises, começando pelos Estados Unidos, de aumentar o gasto público para conter o desemprego e manter a atividade econômica. Trata, assim, de beneficiar os setores mais fragilizados e reconquistar a confiança da classe média em um ano eleitoral em que se julga o futuro da “era K” – o mandato anterior de Nestor Kirchner e o atual, de sua mulher Cristina.
A presidente vai iniciar uma viagem ao exterior, a começar por
Cuba e Venezuela, assim que se recuperar de um problema de saúde
conhecido como lipotimia, caracterizado por desidratação e excessiva
exposição a altas temperaturas.
O Opera Mundi está mostrando
como a crise se manifesta em diversos países, com reportagens produzidas por
seus correspondentes internacionais. O próximo será o México.
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