Registrando altas taxas de inflação e déficit comercial pela primeira vez em anos, a Alemanha enfrenta uma crise dentro do seu comércio de energia, mesmo sendo apontada como um país tradicionalmente superavitário no setor. É o que argumenta o professor de Economia na Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) André Roncaglia.
Para o especialista, o cenário preocupa o governo de Olaf Scholz, já que o comércio energético é “fundamental para ativar a economia do país”. Em entrevista a Opera Mundi, o professor afirmou que algumas causas podem indicar os motivos da queda, mas que as sanções contra a Rússia, por conta da ofensiva na Ucrânia, foram prejudiciais a Berlim. Vale ressaltar que Moscou é a principal abastecedora de gás do país.
Com isso, a Alemanha sofre seu primeiro déficit comercial em 30 anos ao registrar exportações com valor inferior ao de suas importações em meio ao aumento dos preços de recursos energéticos.
“Enquanto não houver uma substituição de fornecedor de gás para o país, a insegurança energética permanecerá”, aponta Roncaglia, explicando também que a Alemanha possui uma parceria importante com a Rússia na construção do gasoduto Nord Stream, e que portanto seria difícil conseguir trocar de fornecedor neste contexto.
A Gazprom, empresa estatal de energia russa responsável pelo gasoduto, vem interrompendo o suprimento de gás com frequência, por “questões de manutenção”. Em fevereiro, a Alemanha suspendeu a autorização para o funcionamento do gasoduto Nord Stream 2, cuja construção foi finalizada em novembro de 2021, e que ligaria o gás entre os dois países.
Falhas de abastecimento, para o especialista, “implicam racionamento de energia e, portanto, menor atividade econômica”. “A Europa passa por um momento difícil com a guerra na Ucrânia e o estresse gerado pelo desabastecimento energético. O efeito combina pressão inflacionária com recessão causada pelas restrições energéticas”, aponta Roncaglia.
Roncaglia afirma que a nacionalização de empresas “têm sido a reação padrão dos países europeus”, recordando de um anúncio recente do governo da França que assumirá o controle total da Électricité de France, a maior produtora e distribuidora de energia do país.
No entanto, no caso alemão, para o especialista, as alternativas “levam tempo e envolvem novos acordos de suprimento de gás dos Estados Unidos”, que “são mais caros e requerem logística mais complexa, fomento à expansão da rede de energia alternativa, como painéis solares ou a reativação de usinas nucleares”.
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Euro caiu abaixo da paridade com o dólar, tendo chegado a ser negociado em seu nível mais baixo desde dezembro de 2002
Já para o professor de Economia na Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) Maurício Weiss, o aumento do custo da energia pode ser um problema para o governo, porque pode aumentar o custo da produção dentro do país. “Se o preço dos combustíveis se mantiver alto, a condição poderá gerar um efeito mais amplo para a economia alemã, fragilizando a competitividade da Alemanha no setor industrial”, afirmou Weiss em entrevista a Opera Mundi.
O governo Scholz está buscando estatizar empresas alemãs para controlar os efeitos da crise energética. Weiss explica que a medida se dá devido à condição do Estado de suportar períodos de dificuldade econômica, que é maior do que a do setor privado.
De acordo com ele, uma possível solução para o problema dentro do comércio de energia alemão pode ser “zerar os impostos sobre os combustíveis”, uma vez que o governo da Alemanha possui uma folga orçamentária e é capaz de oferecer subsídios para o setor.
Enquanto as exportações alemãs caíram 0,5%, a maior parte delas foi para os Estados Unidos, com um aumento de 5,7% em comparação com o mês de abril. A aproximação dos países se dá, para Weiss, por conta de seus mercados complementares.
Os dois países são industriais, e enquanto a Alemanha “exporta insumos de base que a economia dos Estados Unidos não produz com a mesma qualidade, os Estados Unidos também manufaturam produtos que não são produzidos na Alemanha”, disse.
Euro abaixo da paridade com o dólar
O euro caiu abaixo da paridade com o dólar após tê-la atingido apenas um dia antes, tendo chegado a ser negociado em seu nível mais baixo desde dezembro de 2002. Para compreender esse cenário, Weiss explica que “a taxa de juros dos Estados Unidos está com uma expectativa de valorização”, acima do euro, e que isso faz com que os capitais internacionais sejam atraídos, fortalecendo o dólar em comparação a outras moedas.
Weiss lembra que há efeitos negativos e positivos. A curto prazo pode acarretar que os produtos que “já estão caros em euro, cotados em dólar, ficam mais caros ainda para o euro”. Enquanto que a longo prazo os “preços dos produtos europeus passarão a ficar menores em relação aos que estão em dólar”, fazendo com que, na concorrência, a União Europeia possa se beneficiar da moeda mais barata em setores como a indústria automobilística, por exemplo.