O ministro da Justiça da Itália, Carlo Nordio, negou a extradição do padre Dom Franco Reverberi Boschi à Argentina, contrariando a decisão da Corte de Cassação – última instância do Judiciário italiano – que havia decidido pela entrega do padre ao país sul-americano.
A decisão de Nordio, a qual Opera Mundi teve acesso, foi assinada em 10 de janeiro e transmitida à embaixada da Argentina nesta sexta-feira (12/01). No documento, o ministro destacou a necessidade de avaliar os riscos médicos associados à extradição, considerando a idade avançada de Dom Franco, de 86 anos, e a possibilidade de não retornar à Itália.
Por conta disso, o decreto assinado pelo ministro motiva que a decisão de não mais extraditar foi em relação ao estado de saúde do sacerdote.
Porém, em agosto de 2023, quando foi encaminhado ao ministro Nordio a sentença da Corte de Apelação, com decisão favorável pela extradição, houve um equívoco interno da Justiça italiana: os recursos cabíveis a Dom Franco não haviam esgotados, ainda era possível recorrer à Corte de Cassação.
Ou seja, sem essa etapa, a autorização dada pelo mesmo ministro Nordio foi invalidada. À época, o chefe da pasta da Justiça havia dado sinal verde pela extradição, apontando não haver “motivos para acreditar que a pessoa [Dom Fraco], uma vez entregue, será submetida a penas ou tratamentos cruéis, desumanos ou degradantes ou, em qualquer caso, a atos que possam dar origem a uma violação de seus direitos fundamentais, conforme consagrados na Convenção para a Proteção dos Direitos Humanos e das Liberdades Fundamentais (CEDH) e/ou na Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia (Carta de Nice)”.
Agora, mesmo com a Corte de Cassação confirmando a decisão de extraditar Dom Franco, Nordio argumentou que o relatório médico da Corte de Apelação de Bolonha não abordou adequadamente os potenciais riscos do procedimento. Para ele, além das condições de saúde, é crucial considerar o impacto psicológico, citando a probabilidade de estresse adicional ao padre.
A questão do estado de saúde do sacerdote já havia sido rejeitada pelas instâncias superiores, que negaram um pedido da defesa do padre que apontava supostos problemas de bem-estar físico de Dom Franco.
A decisão do ministro ainda pode ser questionada caso a defesa dos representantes argentinos decida apelar ao Tribunal Administrativo Regional (TAR) da Itália. Esse tribunal julga as decisões administrativas do governo, como pedidos de extradição, por exemplo.
Janaina Cesar
Dom Franco, em 2015, durante missa na cidade de Sorbolo, na Itália
Caso não ocorra o recurso, existe ainda uma última possibilidade de haver justiça, isto é, processar Dom Franco no país europeu. Essa é a segunda vez que o pedido de extradição contra Dom Franco é negado pela Itália. O primeiro foi em 2013.
Quem é Dom Franco Reverberi Boschi
Na época da ditadura do general Jorge Videla (1976 e 1981), Dom Franco era capelão militar e trabalhava na Casa Departamental, um centro clandestino de detenção. Segundo relatos de testemunhas, ele assistia sessões de tortura com a Bíblia nas mãos induzindo os prisioneiros políticos a colaborarem com seus torturadores.
Após a redemocratização na Argentina, e com o avanço das investigações contra os responsáveis por crimes cometidos durante a sangrenta ditadura de Videla, Dom Franco foi para a Itália durante o processo do Ministério Público de Mendoza, em 2010. O nome do padre entrou para a lista de procurados da Interpol em 2012.
O argentino sempre negou ter ciência de que pessoas contrárias à ditadura argentina fossem torturadas em San Rafael. No entanto, cinco testemunhas descreveram com detalhes o que sofreram na prisão clandestina, confirmando a presença do padre.
Dom Franco mora em Sorbolo, uma comuna italiana da região da Emília-Romanha, e realiza missas na igreja matriz da cidade. Ele também é acusado do assassinato e desaparecimento do jovem peronista José Guillermo Berón, de 20 anos, ocorrido em 1976.