Em agosto, os equatorianos saíram massivamente às ruas em protesto contra o governo do presidente Rafael Correa. As manifestações, realizadas às vésperas da visita o papa Francisco ao país, provocaram uma tormenta em uma das até então mais bem avaliadas gestões do continente. Nesta quarta-feira (16/09), os cidadãos do país voltarão às ruas, mas, na avaliação do chanceler interino do Equador, Xavier Lasso, em entrevista exclusiva a Opera Mundi, em número menor.
Agência Andes
Representantes de organizações sociais se reuniram para discutir projetos para as regiões de Imbabura, Carchi, Esmeraldas e Sucumbíos
A avaliação do jornalista e ex-embaixador do Equador nas Nações Unidas é baseada em pesquisas que indicam uma queda no apoio aos protestos. Como resposta às ruas, Correa designou o ministro das Relações Exteriores do país, Ricardo Patiño, para coordenar um diálogo amplo com a sociedade e opositores, retirou do Congresso os projetos de lei de taxação de grandes heranças e para acabar com a especulação imobiliária e vai reformular as bases para a taxação das heranças.
Leia também:
Entrevista com deputado Bairon Valle: Correa propôs diálogo e oposição respondeu com 'campanha de mentiras'
Para política opositora, Equador vive processo de 'concentração de poderes e autoritarismo'
O governo argumenta que o objetivo é atingir os mais ricos e gerar redistribuição de renda. Mas, o texto anterior — que tramitava em caráter de urgência no Congresso, onde o governo tem maioria — falava em taxar heranças acima de US$ 35 mil, o que gerou amplo descontentamento em setores (principalmente da classe média) que viram na proposta um risco de perda de patrimônio como casas e carros. Mas, de acordo com Lasso, “a base para [a taxação] será distinta e o valor será revisado”.
Na conversa realizada por telefone com Opera Mundi, Lasso, que substitui Patiño no comando da política exterior equatoriana, falou também sobre a necessidade de uma mudança na matriz produtiva do país, hoje ainda dependente do petróleo; do investimento em educação; dos protestos e da liberdade de expressão no Equador.
Leia, abaixo, trechos da conversa:
Opera Mundi: Um dos maiores desafios da América Latina é a educação. Muitos países ainda têm níveis de analfabetismo altos. Como o Equador enfrenta essa questão?
Xavier Lasso: Uma das primeiras decisões políticas da Revolução Cidadã foi convocar uma assembleia constituinte e a segunda foi convocar uma auditoria da dívida. O país destinava mais de 50% do orçamento geral do Estado para este fim e isso caiu para cerca de 20%, o que gerou economia de recursos. Também houve melhora na arrecadação tributária. O Equador definiu que antes de pagar a dívida econômica era importante pagar a dívida social. O que entendemos como socialismo do Século 21 é que em primeiro lugar está o ser humano e depois o capital. Não negamos o capital, mas primeiro temos que dar atenção aos seres humanos e, para fazermos isso, um dos elementos chaves é a educação.
Agência Andes
Lasso assumiu função de chanceler em julho deste ano
A transformação que o Equador fez na educação é uma das maiores da América Latina. Somos provavelmente um dos países que mais investe em educação superior. Temos novas universidades que garantem educação de qualidade e a educação pública no Equador é totalmente gratuita. Como consequência, vimos que muitas crianças que estavam na educação privada, foram para a pública porque é de melhor qualidade.
Assim, apesar da queda do preço do petróleo e da valorização do dólar, está na Constituição que projetos de educação e saúde, mesmo com o momento de austeridade, não podem sofrer redução orçamentária nesses setores. Isso é parte vital do que nós chamamos de pagamento da dívida social.
OM: O Equador verificou nos últimos anos um importante crescimento do PIB, mesmo com a crise mundial. Como garantir essas conquistas em meio à queda do preço do petróleo?
XL: Vamos ter que adiar algumas obras de infraestruturas até que mude a situação econômica internacional. Em 2016 veremos o resultado de investimentos que foram feitos no setor de oferta de energia elétrica. O país fez investimentos importantes projetos hidroelétricos para ter energia suficiente e mais barata. Hoje temos centrais termoelétricas e muitas vezes temos que importar insumos. Com as hidroelétricas, vamos economizar.
Mas não podemos ocultar que em 2015, pela primeira vez em muitos anos, podemos ter um resultado negativo no PIB, podemos entrar em recessão, por consequência de questões externas.
OM: A Venezuela é um exemplo da chamada “maldição do petróleo”. Mesmo durante o.governo do ex-presidente Hugo Chávez, o país não conseguiu um desenvolvimento industrial para se livrar da dependência dos hidrocarbonetos. O que o Equador tem feito contra isso?
XL: Nós começamos a trabalhar a mudança na matriz produtiva. Queremos mudar de uma economia extrativista para uma economia do conhecimento, mas não podemos ter resultados da noite para o dia. Estamos no caminho. A crise do petróleo e da moeda pode adiar isso.
Apesar desses problemas, o Equador deu mais de 10.500 bolsas de estudo para PhD — nos últimos 30 anos foram concedidas 300. As pessoas vão para as melhores universidades do planeta com a única condição de que voltem ao Equador para trabalhar aqui, não necessariamente no setor público, mas aqui. Isso com o objetivo de construir uma massa crítica equatoriana de talento humano e que esse talento se some à mudança na matriz produtiva da economia do conhecimento.
Agência Efe
Em protesto em agosto, manifestantes acusaram Correa de trair o povo
OM: Amanhã haverá uma nova manifestação no país. Quais são os sinais que o governo tem dado para essas pessoas?
XL: O governo convocou os chamados diálogos sobre igualdade e justiça e tivemos muitos encontros. Na próxima quarta veremos os resultados desses diálogos. Em agosto, a base dura que a direita sempre teve, que é de mais ou menos 25%, com o respaldo dos meios de comunicação, subiu para mais de 60% devido à confusão gerada pelos meios de comunicação por causa das leis de taxação de herança e contra especulação imobiliária. Eles fizeram crer que essas leis iriam afetar todos, quando, na verdade, estavam destinadas somente aos setores mais ricos.
No Equador, temos que seguir no tema da distribuição de renda para que o país avance para construir uma sociedade do conhecimento. Os meios de comunicação, junto com a direita, fizeram a população crer que o texto iria afetar todos. Então a classe média se mobiliza por achar que vão ser tirados seus carros e casas. Mas, através dos diálogos, desmentimos o que a direita diz e foram feitas revisões. Fizemos mudanças nos projetos. Provavelmente teremos mais prazo para aprofundar os diálogos.
OM: Mas com um limite de US$ 35 mil para iniciar a taxação de fortunas a classe média não seria afetada?
XL: Isso está sendo revisado. Teremos uma base distinta. Não posso precisar qual será, mas faz parte do esforço que o governo está fazendo.
NULL
NULL
OM: Os meios de comunicação internacionais falam muito da “falta de liberdade de expressão” no Equador e de uma perseguição do governo a jornalistas e meios de comunicação contrários à Revolução Cidadã. Como jornalista, como avalia isso?
XL: Há oito anos, o Equador fundou meios de comunicação públicos, só tínhamos meios privados. O Equador é um país diverso. Somos índios, africanos, mestiços, cholos, alguns se reconhecem brancos, católicos, muçulmanos, agnósticos, ateus, orientais, amazônicos, andinos, costeiros, somos islenhos… Nessa enorme diversidade, só tínhamos uma maneira de organizar meios de comunicação: privados, uma só maneira de narrar a história de Equador. O que é um absurdo em meio a essa diversidade. Então incorporemos outras vozes a essa narrativa.
Quando começa a ter narrativa de outros pontos de vista, os meios privados se molestam. Não dizemos que não tem que ter meios privados, mas devemos ter meios públicos e meios privados para que a diversidade equatoriana esteja representada.
Agência Andes
Rádio indígena das nacionalidades Tsáchila e Cofán inaugurada em 2012
Eu posso assegurar que não há um só jornalista preso no Equador. Aqui não morrem jornalistas. Aqui dizem que governo atacava, mas te convido a ver as redes sociais, o tipo de linguagem, a narração que estimula jornalistas por meio das redes sociais. O que mais tem é xingamento e utilização vergonhosa da linguagem.
OM: Por isso que o governo aplica multas a jornalistas e aos meios de comunicação?
XL: No Equador, como não há investigação, se [um jornalista ou veículo] erra, dá dado falso, vai ter que responder por essa irresponsabilidade e vai pensar duas vezes.
OM: Uma das políticas da Revolução Cidadã que é mais celebrada pelos movimentos sociais do Brasil é a Lei Orgânica de Comunicação, mas setores equatorianos dizem ter dificuldade para conseguir acesso a frequências. Por que isso está ocorrendo?
XL: Nós temos que fazer seguir insistindo. Tem aí um problema orçamentário, mas [a lei] está aí para que a sociedade a persiga como meta. Como diz [o escritor uruguaio Eduardo] Galeano, que isso nos sirva para caminhar.
Que a informação seja uma mercadoria é uma das lógicas…. pode ser, mas que não seja somente mercadoria. Se a informação é um direito fundamental, como se torná-la mercadoria? Temos que recuperá-la como direito.