Roberto Almeida/Opera Mundi
“Salvem o Muro”, pedem os cartazes dos manifestantes que fizeram vigília no East Side Gallery nos últimos quatro dias
Depois de quatro dias seguidos de protestos organizados pela população de Berlim, quando milhares de seus moradores saíram às ruas, as obras para destruir um trecho do histórico muro que separou a cidade durante a Guerra Fria foram paralisadas nesta segunda-feira (04/03).
O investidor Maik Uwe Hinkel, dono da sociedade Living Bauhaus, que pretendia levantar um condomínio de luxo às margens do rio Spree demolindo parte desse patrimônio histórico, disse que respeitará o pedido dos manifestantes. “Não preciso forçosamente abrir um buraco no muro”, disse Hinkel ao jornal “Bild”. Ao jornal berlinense “B.Z.”, ele afirmou que já tinha mandado “desmobilizar a grua” e prometeu, temporariamente, não destruir os outros trechos do muro.
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Berlinenses aproveitaram o domingo de sol em frente ao muro
Hinkel se disse à disposição para alterar os planos do projeto original do condomínio, caso haja acordo com as autoridades e construtores vizinhos. Segundo ele, 20 dos 36 apartamentos do condomínio de luxo já foram vendidos. “Sempre há possibilidade de o subprefeito nos desapropriar, mas este não é nosso objetivo”.
O trecho, conhecido como “East Side Gallery”, conta com 1,3 quilômetro de extensão e é decorado por inúmeros grafites que ajudam a contar a dura história vivida pela capital alemã no século XX.
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Manifestante agita bandeira da cidade de Berlim durante manifestação pela preservação do East Side Gallery
O ativista Robert Muschinski, que lidera o coletivo contrário ao projeto imobiliário, afirmou que o perigo foi “temporariamente descartado” ao ver as escavadeiras começando a deixar o local. “Até meados de março, não deverá ocorrer nada”, disse ele aos cerca de 500 manifestantes reunidos nesta manhã. O futuro do projeto deve ser discutido no próximo dia 18, em uma reunião entre representantes da comunidade, o investidor e a prefeitura.
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Neste domingo (03/03), cerca de seis mil pessoas protestaram pacificamente ao redor do muro e sem nenhum incidente. Em discursos inflamados, os manifestantes pediram que ele seja poupado por ser um “símbolo da história e do valor da democracia alemã”. Os protestos começaram na sexta-feira (01/03), quando um grupo de 300 pessoas conseguiu impedir o trabalho dos guindastes, que retiraram apenas um pedaço da parede, de cerca de um metro e meio de largura. Nele há um grafite do Portão de Brandemburgo. Nas frestas foram enfiadas notas falsas de 100 euros, em crítica à especulação imobiliária, e deixadas dezenas de mensagens de protesto contra sua eventual demolição.
No entanto, outro projeto também de luxo está sendo projetado para a mesma zona e será necessário retirar mais uma parte do que resta do muro para a sua concretização, nomeadamente para as vias de acesso, como era o caso do projeto de Hinkel.
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Cerca de seis mil pessoas participaram do protesto no último domingo (03/03)
O trecho do muro de Berlim em questão é o único remanescente do original, construído em 1961 pelo governo da Alemanha Oriental. Artistas portugueses, alemães, russos e brasileiros deixaram mensagens de paz nas grossas paredes de cimento. Um dos graffitis mais famosos, e mais vendidos como imagem estampada em souvenirs, é o do caloroso beijo do então líder russo Leonid Brejnev e do chefe da Alemanha Oriental, Erich Honecker (foto abaixo).
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Homem fotografa trecho icônico do muro: o beijo de Brejnev, da URSS, e Honecker, da Alemanha Oriental
O Muro de Berlim dividiu a capital alemã durante 28 anos separando a parte ocidental, capitalista, da Alemanha Oriental, comunista. Ao longo dos anos foi o palco da morte de 136 pessoas que tentaram atravessá-lo. Em 9 de novembro de 1989, o muro foi parcialmente derrubado, mas muitos trechos foram preservados como recordação e que hoje figuram como das principais atrações da capital alemã.
Em 2009, a área, considerada um dos principais pontos turísticos da cidade, recebeu um investimento para revitalização de cerca de 2,5 milhões de euros (ou seis milhões de reais) do governo alemão. O terreno, que há 20 anos era considerado terra de ninguém, exatamente pela proximidade com o muro, hoje é tido como privilegiado e com o metro quadrado em alta.
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“Berlim não está à venda”, diz cartaz da garota
De um lado da parede da East Side Gallery há um parque linear, de frente para as águas tranquilas do rio Spree. Do outro fica a movimentada avenida Mühlenstraße e a arena multiuso O2 World. Em uma caminhada de 10 minutos, os turistas – ou futuros moradores do condomínio de luxo – podem chegar ao bairro boêmio de Friedrichshain, onde há cafés, restaurantes e movimentadas feiras de produtos usados.
A demolição do trecho do muro levanta uma nova discussão sobre gentrificação, tema perene entre ativistas sociais berlinenses. Há muita polêmica sobre os efeitos nocivos das ondas de imigração de artistas para a capital alemã, atraídos pelos aluguéis baratos. Eles indiretamente subsidiam a especulação imobiliária e empurram os moradores originais para bairros mais distantes.
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“Gentrifique a sua mãe”, diz cartaz à esquerda; desenho à direita mostra mapa da cidade “à venda”
O protesto contra a demolição foi tido por manifestantes como uma empreitada anticapitalista. O tema é o mesmo de muitos murais grafitados. A associação de artistas da East Side Gallery escreveu um apelo à população de Berlim e aos turistas para impedir a derrubada do trecho. “Somos contra a abertura planejada do muro. Não concordamos que, para benefícios privados, esse monumento seja destruído de novo”, diz, em nota.
Veja mais fotos do East Side Gallery:
Rogério Cantelle/Opera Mundi
Visão geral de trecho da East Side Gallery, em direção ao centro da capital alemã
Roberto Almeida/Opera Mundi
Lado ocidental do muro, bastante grafitado
Rogério Cantelle/Opera Mundi
Manifestação pró-Israel e pró-Palestina no Muro de Berlim
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Placa comemorativa da East Side Gallery
(*) colaborou Roberto Almeida, correspondente de Opera Mundi em Berlim. Com informações do Le Monde