O avanço do neoliberalismo na América Latina, no final da década de 90, aglutinou as contradições sociais, econômicas e políticas da região. Com isso, os partidos de esquerda, que já não tinham mais a influência da União Soviética após sua dissolução, buscaram realizar intercâmbios para superar esse cenário e consolidar uma luta contra o capitalismo e também ao imperialismo. O Foro de São Paulo nasceu nesse momento, quando 48 legendas latino-americanas se reuniram na capital paulista com o intuito de traçar um destino em comum.
A ideia de uma integração regional da esquerda, iniciada há 30 anos, segue como foco primordial da articulação. É daí que, para a cientista politica Ana Prestes, reside os ataques contra o Foro: pelo temor de uma “grande unidade de partidos da esquerda latino-americana e caribenha”.
Secretária de relações internacionais do PCdoB, Prestes disse a Opera Mundi que os ataques contra a articulação apenas evidenciam que a direita, seja brasileira ou latino-americana, representam os “interesses das oligarquias locais”. A cientista politica ainda aponta que essa ala se beneficia com a “desintegração” dos projetos dos países e povos latino-americanos e caribenhos.
“Sabem que uma maior integração regional pode fazer avançar o desenvolvimento comum e uma maior proteção dos direitos da população. Por isso, desferem ataques baseados em teorias conspiracionistas e fake news, se aproveitando do desconhecimento existente sobre reais características do Foro de São Paulo”, disse.
Os recorrentes ataques cresceram nesta semana por conta do 26º encontro da articulação que começa nesta quinta-feira (29/06) em Brasília, capital brasileira, e que vai até domingo (02/07). Este é o primeiro evento do Foro após quatro anos.
A Opera Mundi, Prestes pontuou a importância deste evento que, segundo ela, é um Foro de São Paulo com mais “esperança e força”, para “avançar na agenda emancipatória e de justiça social para o povo latino-americano e caribenho”.
Leia na íntegra a entrevista de Opera Mundi com Ana Prestes:
Opera Mundi: O que é o Foro de São Paulo e qual papel ele exerce na região latino-americana e caribenha?
Ana Prestes: O Foro de São Paulo foi fundado no início dos Anos 90, a partir de um encontro de partidos organizado pelo PT (Partido dos Trabalhadores) na cidade de São Paulo e que na época reuniu 48 partidos. O contexto da época era da queda do muro de Berlim e dissolução da União Soviética que exercia muita influência no campo de partidos de esquerda de todo o mundo. Havia muitos questionamentos sobre qual seria o futuro dos partidos comunistas, socialistas e progressistas em geral. Fruto desse avanço do imperialismo, com o fim da Guerra Fria, iniciava na América Latina e no Caribe, de forma mais ofensiva, a implantação do receituário neoliberal pelos governos da região. A primeira experiência foi no Chile. Ao longo de toda a década de 90, portanto, com a realização de encontros do Foro em vários países, com adesão de muitos partidos, o Foro foi se consolidando, ao mesmo tempo em que a luta social aumentava pela agudização das contradições sociais, econômicas e políticas impostas pelo neoliberalismo em cada país. Hoje, o evento é bastante consolidado e seu papel tem sido o de proporcionar uma oportunidade única para partidos e movimentos sociais latino-americanos de orientação de esquerda, anti-imperialistas e antineoliberais fazerem o intercâmbio sobre a situação da luta social e política em seus países e traçarem metas em comum, como a construção da integração regional, que será o tema mais forte desta 26a edição.
Foro de São Paulo
Diversos ataques ocorreram às vésperas do 26º encontro da articulação do Foro de São Paulo, que começa nesta quinta-feira (29/06)
Depois de 30 anos de existência, quais avanços você destaca do protagonismo do Foro para os partidos e movimentos sociais que o compõem?
Ao longo dessas três décadas de existência do Foro, a América Latina e o Caribe mudaram muito e os partidos e movimentos que compõem o conjunto de membros da plataforma participaram intensamente destas mudanças. Tivemos as diversas batalhas antineoliberais ao longo da década de 90 que resultaram em maior organização popular e a construção de projetos para as disputas eleitorais. Depois veio a primeira década dos anos 2000 com várias vitórias eleitorais e ocupação de espaços de poder pelos partidos membros do FSP, foi também uma década decisiva para iniciar importantes projetos de integração, como a União de Nações Sul-Americanas (Unasul), e trabalhar em uma agenda mudancista comum.
Na virada da década, começaram os golpes da onda de restauração conservadora, primeiro em Honduras (2009) e depois no Paraguai (2012). Essa segunda década dos Anos 2000 foi marcada por golpes e reveses eleitorais, como a vitória de Mauricio Macri na Argentina em 2015, o golpe sobre a presidente Dilma Rousseff no Brasil em 2016 e o golpe sobre a eleição de Evo Morales na Bolívia em 2019.
A virada para a terceira década foi marcada por levantamentos populares importantes, no Peru, Chile e na Colômbia principalmente. Mas foi também um tempo de ascensão da ultradireita fascista, com a eleição de Jair Bolsonaro no Brasil e o surgimento de José Antonio Kast no Chile, por exemplo. A tentativa de invasão da Venezuela foi o auge dos ataques imperialistas desse período, em aliança com as oligarquias locais da região.
No presente momento, as vitórias eleitorais de Lula, no Brasil, e de Gustavo Petro, na Colômbia, são dois marcadores de alto relevo e que animam e mobilizam o conjunto de partidos e movimentos do Foro de São Paulo a construírem uma agenda comum que possa impactar na diminuição da desigualdade, da fome, da desindustrialização e fazer avançar projetos de integração na infraestrutura e logística, educação, saúde e segurança dos países e da região como um todo, frente a um mundo que transita para a multipolarização.
Na sua avaliação, por que a direita e setores não progressistas, seja do Brasil ou da América Latina e Caribe, falam tanto do Foro de São Paulo?
Esses setores da direita e da ultradireita falam muito do Foro de São Paulo e o atacam porque se sentem ameaçados por uma grande unidade de partidos da esquerda latino-americana e caribenha. Eles temem o aprofundamento das lutas sociais, políticas e econômicas antineoliberais, anticapitalistas e anti-imperialistas no conjunto de países da região. Eles são representantes dos interesses das oligarquias locais, do grande capital e dos setores mais conservadores no campo dos costumes e dos direitos civis. São temerosos de que os setores que historicamente oprimidos desde a colonização busquem sua emancipação e a justiça social que nunca foi alcançada ao longo das lutas por independência, soberania e democracia dos últimos cinco séculos. São setores que se beneficiam da desintegração, da fragmentação e da atomização dos projetos dos países e povos latino-americanos e caribenhos. Sabem que uma maior integração regional pode fazer avançar o desenvolvimento comum e uma maior proteção dos direitos da população. Por isso, desferem ataques baseados em teorias conspiracionistas e fake news, se aproveitando do desconhecimento existente sobre reais características do Foro.
O 26º encontro que acontece em Brasília será o primeiro presencial após quatro anos. Qual a importância desse momento? O que esperar desse encontro?
Será um encontro muito intenso e de grande congraçamento entre os participantes, por ser o primeiro depois de quatro anos sem realização de encontros presenciais. E não foram quaisquer quatro anos, tivemos perdas humanas gigantes em nossos países, decorrentes da pandemia e da péssima gestão em saúde pública pelos governos liberais, mas também tivemos levantamentos sociais importantes e eleições de projetos de esquerda e progressistas.
O Foro de São Paulo deste 2023 é muito diferente daquele de 2019. Temos hoje mais esperança e mais força para avançar na agenda emancipatória e de justiça social para o povo latino-americano e caribenho, que caminha por uma integração que eleve as potencialidades de desenvolvimento com justiça social e ambiental.