A Justiça brasileira tem um ano para apresentar o relatório sobre o andamento das investigações do assassinato do sem-terra Sétimo Garibaldi, em 1988, no Paraná, e indenizar a viúva Iracema Cianotto Garibaldi e os filhos da vítima por danos morais.
É o que determina sentença emitida pela CIDH (Corte Internacional de Direitos Humanos) da OEA (Organização dos Estados Americanos), divulgada na última segunda-feira (9) por movimentos sociais. A OEA, que reúne todos os 34 países das Américas, exceto Cuba, considerou o Estado brasileiro culpado por não atuar com a devida diligência e não responsabilizar os envolvidos.
O aspecto mais importante do documento, na avaliação do promotor Fabio André Guaragni, é a exigência da uma solução nas investigações. “A Corte pede um relatório, que deve ser entregue no prazo de um ano. Isso é um combustível para a resolução do caso. Vai ajudar em muitas investigações, não apenas no caso do Sétimo”, disse ao Opera Mundi o promotor de Justiça do Ministério Público do Paraná, que acompanhou audiência sobre o tema, nos dias 29 e 30, em Santiago do Chile.
Encapuzados
Sétimo Garibaldi tinha 52 anos quando levou um tiro na coxa durante o despejo da fazenda São Francisco, no município de Querência do Norte, no Paraná. Ele e mais 70 famílias do MST (Movimentos dos Trabalhadores Rurais Sem Terra) ocupavam as terras do fazendeiro Morival Favoreto.
Segundo depoimentos de testemunhas, por volta das 5h da madrugada do dia 27 de novembro de 1998, cerca de 20 homens encapuzados começaram a expulsar os militantes, mesmo sem ordem judicial de despejo. Quando Garibaldi estava saindo de sua moradia, foi atingido por um disparo de arma de fogo, calibre 12. Morreu no mesmo dia.
Em 2004, atendendo ao pedido da promotoria, a juíza Elizabeth Kather arquivou o inquérito policial e gerou a situação que perdurou até o último dia 20 de abril, quando as investigações foram retomadas. Segundo a promotora responsável pela investigação, Vera Mendonça, novas testemunhas foram ouvidas e, por isso, um novo inquérito foi iniciado.
Embora a Secretaria Especial de Direitos Humanos da Presidência da República não tenha sido notificada oficialmente da decisão da OEA, o órgão pretende entrar em contato com o Ministério Público e com o Judiciário para que o processo seja feito com imparcialidade, informou Cristina Timponi, assessora para assuntos internacionais.
O governo também deverá se reunir com essas entidades para montar um cronograma de apuração do crime.
Na sentença, a OEA afirmou que o caso expõe a “parcialidade do judiciário no tratamento da violência no campo e as falhas das autoridades brasileiras em combater milícias formadas por fazendeiros”.
Exigências
A sentença adverte também que o Estado brasileiro tem três meses para divulgar a decisão da OEA para a população e indenizar os familiares até novembro de 2010. Segundo Cristina, assim que o Estado for notificado oficialmente, os “mecanismos serão acionados para que o pagamento das indenizações seja realizado em menos de um ano”. Ela acredita que isso deve ser feito nos primeiros meses do ano que vem.
Para Fabio André Guaragni, a indenização por danos morais é também uma reivindicação fundamental.
“O caso de Sétimo Garibaldi revela uma desestrutura. É a reprodução de um quadro que se projeta em outros casos, e tem que ser recebida [a condenação] com os melhores olhos. Serve para contribuir para o Estado brasileiro”, disse, ao se referir aos índices de violência do país, principalmente aos casos relacionados a trabalhadores rurais.
Era Lerner
O assassinato de Sétimo Garibaldi aconteceu durante o governo de Jaime Lerner no Paraná (1995-2002). Neste período, foram assassinados 16 trabalhadores rurais no estado, além de 516 prisões consideradas arbitrárias. Por conta das denúncias feitas nesses oito anos, Lerner passou a ser chamado por alguns movimentos sociais de “arquiteto da violência”, já que tem formação em arquitetura e urbanismo.
A Comissão Pastoral da Terra também estima que, na época, houve 31 tentativas de homicídio, 49 ameaças de morte, sete casos de tortura e 325 vítimas de lesões corporais em conseqüência de conflitos por terra.
Em 2007, o caso do assassinato de Sétimo Garibaldi foi submetido à CIDH da OEA, diante do não-cumprimento de recomendações que a instituição já havia feito ao Estado brasileiro, em relação às investigações.
Esta condenação é a terceira do Brasil na Corte e a segunda que envolve crimes contra trabalhadores rurais sem terra no Paraná.
Em agosto, a OEA havia responsabilizado o país por grampos ilegais contra integrantes do MST na mesma região do assassinato de Garibaldi, em um caso que também teve participação da juíza Elizabeth e ocorreu durante o governo de Jaime Lerner.
A primeira condenação foi feita em 2006, por conta da morte de Damião Ximenes, em 1999, em uma clínica de repouso psiquiátrica localizada no município de Sobral, no interior do Ceará.
Punição
Apesar de o Brasil ter aceitado a jurisdição da Corte em dezembro de 1998, o país não será punido caso não cumpra as determinações, explicou a especialista em direito internacional Maristela Basso.
“O Brasil enfrentaria uma inconsistência no plano internacional, principalmente quando quisesse por algum motivo recorrer à instituição. É uma inconsistência querer ser autor, mas não aceitar a postura de réu”, afirmou.
A CIDH tem a competência para analisar as questões que recebe e formular recomendações aos Estados para que haja reparação dos danos causados e responsabilização dos envolvidos, evitando que violações semelhantes se repitam. A OEA não tem mecanismos jurídicos para obrigar o Brasil a cumprir a sentença, mas, daqui a um ano, o tribunal supervisionará o acatamento da decisão e só dará o caso por concluído quando o Estado cumpri-la integralmente.
De acordo com o professor Pedro Dallari, do departamento de direito internacional da Faculdade de Direito da USP, o Brasil não tem histórico de descumprimento de determinações da CIDH ou da OEA. “Quando o Brasil recebeu a sentença pelo caso de Damião Ximenes Lopes, cumpriu a determinação. E, na condição de signatário da OEA, tem obrigação de acatar”, afirmou.
Procurada pela reportagem, a juíza Elizabeth Kather não quis conceder entrevista.
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