Vitor Sorano/Opera Mundi
Ao contrário da Hungria, museu socialista da Bulgária não possui conceito estético claro; mensagem é claramente política
Retirada do centro de Sofia com a queda do regime socialista em 1989, a estátua de Lenin criada pelo escultor soviético Lev Kerbel voltou a ser exposta ao público, mas agora na periferia da capital da Bulgária. Em uma iniciativa artística carregada de mensagem política, o país, governado pela centro-direita, acaba de inaugurar o seu Museu da Arte Socialista, à semelhança do que já fizeram Hungria, República Checa e Lituânia.
O acervo não conta apenas com imagens de líderes comunistas locais, como Georgi Dimitrov, e de outros países, como Lenin e o argentino Che Guevara. Algumas obras representam a valorização do trabalho – como as estátuas “Trabalhador” (1965), de Vasil Radoslavov, e “Escavadora” (1959) de Pavel Dzheferov – e do coletivismo, como na organização ritmada dos agricultores no quadro “Fazenda Cooperativa” (1964), de Zlatyu Boyadzhiev. A estrela que adornava a sede do Partido Comunista da Bulgária foi colocada na entrada.
Na inauguração, realizada no fim do ano passado, o primeiro-ministro adjunto, Simeon Djankov, afirmou que o museu “encerra uma página e coloca o socialismo e o comunismo ao que eles pertencem – a história”.
Veja abaixo uma galeria de imagens do Museu da Arte Socialista (fotos por Vitor Sorano)
Parte das peças estavam sob a responsabilidade da Ministério da Cultura ou da Galeria Nacional da Bulgária, e parte foi recuperada junto a prefeituras e organizações que as haviam preservado depois da queda do regime. “Buscamos nos porões de cada cidade (pelas peças)”, disse na inauguração o ministro da Cultura, Vezhdi Rashidov.
“Nós vamos continuar esse trabalho de encontrar e obter novas peças de arte”, disse ao Opera Mundi a diretora da Galeria Nacional da Bulgária e responsável pelo novo Museu, Slava Ivanova.
A mensagem
Desde 2009, o governo da Bulgária é comandado por um partido de centro-direita, o Gerb (sigla para Cidadãos Pelo Desenvolvimento Europeu, em tradução livre). Entretanto, diversos integrantes têm passado comunista. O primeiro-ministro, Boyko Borisov, foi guarda-costas de Todor Zhivkov, que liderou o governo búlgaro entre 1954 e 1989.
Para o sociólogo Petar-Emil Mitev, da Universidade de Sofia, o museu é uma tentativa do governo de mostrar o seu desligamento desse passado, defendendo-se das críticas da extrema-direita, e de expressar uma retórica anticomunista. “O Museu não tem um conceito estético claro, como o da Hungria. A sua mensagem é principalmente política”, diz Mitev.
Por outro lado, a iniciativa também demonstra uma tentativa de colocar o socialismo como um regime político pertencente ao passado. Isso em um contexto em que a principal força política de oposição ao atual governo é o Partido Socialista da Bulgária, que vem recuperando eleitorado.
Depois da derrota expressiva nas últimas eleições parlamentares, em 2009, os socialistas conseguiram levar as presidenciais, ocorridas em outubro, para o segundo turno. “É uma mensagem agressiva contra os esquerdistas. Há suvenires sendo vendidos no museu e a mensagem é: 'esses suvenires são para o eleitorado do Partido Socialista. É o partido mais antigo, mas é o partido do passado, não do futuro'”, diz Mitev.
Assim como outros países que tiveram governos comunistas, na Bulgária é possível notar certa nostalgia em relação a esse passado. Entre pessoas acima de 31 anos, segundo pesquisas do Instituto Gallup, a opinião de que o desenvolvimento socialista entre 1944 e 1989 foi positivo é superior aos 40%, o entendimento de que foi negativo é inferior a 20%. “A avaliação negativa só é predominante na faixa etária dos 15 a 17 anos”, diz Mitev.
Inicialmente, o governo pretendia batizar a iniciativa de Museu da Arte Totalitária, alterando o nome às vésperas da inauguração. Segundo Ivanova, o período totalitarista na Bulgária cobre apenas o intervalo entre 1948 e 1956, e não toda a duração do regime socialista, de 1944 a 1989. O nome original também levantou questionamentos na opinião pública do país. “Um número de artistas e escultores ficaram ofendidos e é por isso que se decidiu por Museu de Arte Socialista”, diz Mitev.
A arte
“Como uma historiadora da arte, eu diria que, para mim, a preservação e a exploração da arte, não importa de que período seja, é de grande importância”, afirma Ivanova, da Galeria Nacional da Bulgária, quando perguntada sobre o caráter político da iniciativa.
Vitor Sorano/Opera Mundi
Devido à escala – o Lenin de Lev Kerbel tem aproximadamente 10 metros de altura –, a maioria das esculturas está distribuída em um jardim de 7.500 m2. Ao todo, são 77 obras, um acervo maior do que o do Parque Memento da Hungria, inaugurado em 1993. Nele estão homenagens a personalidades do regime, como Zhikov e Dimitrov, e representações de trabalhadores, soldados e do cotidiano do trabalho – como “Troca de Turno” (1935) de Iva Hadzhleva.
O prédio que abriga as pinturas é pequeno, e por isso há apenas 65 obras à mostra, para além de algumas esculturas menores. A valorização participação na vida política se expressa em peças como “O homem com as três ordens” (1945), de Stoyan Venev, na qual um agricultor carrega medalhas militares ao peito, ou em “No leito de morte do líder” (1949), de Alexander Zhendov, em que uma família vela o corpo de uma liderança política.
O acervo total, entretanto, conta com 1.200 peças, entre pinturas, esculturas, impressos, desenhos e artes decorativas. Segundo Ivanova, as exibições serão renovadas a cada seis meses. “Também será uma oportunidade de explorar diferentes aspectos dessa arte e seguir os diferentes períodos do seu desenvolvimento.”
Além da loja de suvenires, os visitantes podem assistir a documentários e vídeos da era socialista na Bulgária.
Embora tenha sido considerado um trunfo da estratégia de Sofia em ampliar o seu potencial como destino turístico, o Museu está localizado em uma área mais periférica, longe dos pontos de interesse centrais – como a Catedral São Alexandre Nevski, a Ópera Nacional e o Mercado de Sofia –, nos fundos de um grande complexo comercial recém-inaugurado. Desde a abertura, em setembro, recebeu 2.500 visitantes. “É verdade que Museu está um pouco fora das principais rotas turísticas, mas nós esperamos que venha a se tornar um novo destino cultural”, diz Ivanova.
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