A instabilidade política pela qual a Tailândia passa atualmente tem sua raiz em uma disputa entre a classe urbana rica – majoritariamente baseada em Bancoc – e a classe rural pobre, de acordo com Tim Meisburger, diretor regional de eleições e processos políticos da Asia Foundation.
Nos recentes conflitos, as imagens captadas pelas câmeras de TV na capital comprovaram essa divisão da sociedade por meio das cores das roupas dos manifestantes: aqueles que apóiam o governo atual, nomeado após um golpe de estado em 2006 e bem-visto pela elite tailandesa, vestem camisas amarelas. Já os camponeses e pequenos comerciantes, trajam vermelho.
Conforme explica Meisburger, os camisas amarelas são formados por militares, elites tradicionais, profissionais escolarizados de classe média e acadêmicos. “Eles acreditam que os votantes rurais são comprados, e que a maioria não tem escolaridade o suficiente para votar de maneira responsável. Portanto, para eles o governo deveria ser controlado primariamente pelas classes educadas de Bancoc. Eles se ressentem com o que chamam de ‘tirania da maioria’, que permite à maioria rural eleger políticos que não são populares na capital”.
A agricultura ainda é um importante setor da economia tailandesa, empregando 42,6% da força de trabalho, de um total de 33,4 milhões de pessoas. Onze por cento do PIB (Produto Interno Bruto) da Tailândia vem da agricultura, segundo relatório da CIA.
Os camisas vermelhas são formados por fazendeiros ou trabalhadores de classes mais baixas, como taxistas, parte da população que foi beneficiada diretamente pelos programas do governo do ex-primeiro-ministro Thaksin Shinawatra, deposto após um golpe militar em 2006. “Eles não conseguiram evitar o golpe porque não eram organizados e não tinham como lutar contra os militares. Como seu lugar no governo é continuamente negado, estão se tornando cada vez mais politizados e radicais, algo que nunca aconteceu na história da Tailândia”.
Camisas vermelhas acampados do lado de fora da sede do governo em Bancoc – EFE – How Hwee Young (14/03/2009)
Na tradição tailandesa, cada dia da semana corresponde a uma cor. Segunda-feira é o dia da cor amarela e também é o dia em que nasceu o atual rei tailandês, Bhumibol Adulyadej. Os camisas amarelas, às vezes chamado de roialistas, usam essa cor para mostrar seu apoio ao rei. Já domingo é o dia da cor vermelha, escolhida pelos camisas vermelhas como um dia oposto à segunda-feira, e a tudo que ela representa.
Histórico dos protestos
No dia 8 desse mês os camisas vermelhas iniciaram violentos protestos em Bancoc contra o atual premiê, Abhisit Vejjajiva. “Eles sentem que o governo não tem legitimidade porque não foi eleito, e demandam eleições justas. Alguns também gostariam de ver Thaksin retornar ao cargo de primeiro-ministro, embora a relevância dele para o movimento nascente esteja diminuindo”, explicou Meisburger.
No dia 11, os camisas amarelas invadiram o prédio onde ocorria a cúpula da Associação de Nações do Sudeste Asiático (ASEAN). No dia seguinte, o primeiro ministro Vejajiva declarou estado de exceção na capital e em outras cinco províncias vizinhas, proibindo a reunião de mais de cinco pessoas ou qualquer outra reunião pública.
Soldados em carros de combate e portando armas automáticas foram enviados às ruas para encerrar os protestos. A desmobilização dos protestos ocorreu no dia 14, depois que as tropas cercaram cerca de duas mil pessoas que permaneciam no interior do último acampamento rebelde, na entrada do palácio governamental, em Bangcoc.
Os enfrentamentos deixaram um saldo de dois mortos e 123 feridos. Hoje (17), o governo da Tailândia anunciou que manterá o estado de exceção, após um atentado contra Sonthi Limthongkul, aliado do governo e principal líder opositor ao ex-premiê Thaksin Shinawatra.
Sonthi Limthongkul durante protesto em Bancoc – EFE – Barbara Walton (28/08/2008)
Erro Político
Para Meisburger, as atitudes do premiê foram um erro político. “Medidas similares não foram aplicadas nas manifestações anteriores dos camisas amarelas, aliados políticos do primeiro-ministro. A diferença nas abordagens é mais uma confirmação para muitas pessoas de que há regras separadas para os favoritos”.
O especialista da Asian Foundation acredita que uma combinação de fatores fez com que os camisas vermelhas parassem com os protestos. “Primeiro, diferente dos camisas amarelas, cuja maioria era rica ou de classe media alta, os camisas vermelhas são em sua maioria pobres ou de classe média baixa, e residem em províncias, então eles não têm dinheiro para protestar por várias semanas. Eles têm que trabalhar. Em segundo, eu acho que eles viram que a reação dos militares ia ser diferente e ficaram com medo. Muitos tiros foram disparados e mesmo que tenham sido mirados para o alto, ainda foi muito intimidador.”
História
O atual problema político da Tailândia começou em 19 de setembro de 2006, quando o então primeiro-ministro Thaksin Shinawatra, eleito em 2001 e popular no meio rural por suas medidas de governo, foi retirado do poder por uma junta militar e processado por acusações de corrupção.
Os militares lideraram por um ano, período em que reescreveram a Constituição e adicionaram uma cláusula que os permitia dissolver partidos e banir políticos por cinco anos, caso qualquer membro sênior de um partido fosse culpado por corrupção ou roubo. Eles então aplicaram essa lei para a eleição anterior ao golpe, dissolveram o partido de Thaksin, Thai Rak Thai (Tailandeses Amam Tailandeses), e impediram o ex-primeiro-ministro e mais 110 políticos do partido de atuar por cinco anos.
A junta convocou eleição nacional em dezembro de 2007, ganha por um partido aliado a Thaksin, o Partido do Poder Popular (PPP). O judiciário do país abriu um processo contra o primeiro ministro do PPP, Samak Sundaravej, por manter um emprego externo – ele continuou a apresentar um programa televisivo de culinária mesmo após eleito.
Em protesto contra o governo do PPP, os camisas amarelas ocuparam o palácio de agosto a dezembro de 2008, e fecharam dois aeroportos nacionais por cerca de uma semana entre novembro e dezembro do mesmo ano. De acordo com Meisburguer, essas manifestações foram patrocinadas pela Aliança Popular Democrática (PAD), que representa os militares e as classes profissionais urbanas.
O judiciário venceu o caso contra o primeiro ministro Sundaravej, dissolvendo o PPP e impedindo os principais oficiais de trabalhar na política por cinco anos. Após esse fato, o PAD convenceu membros da coalizão no poder a formar um novo governo com o líder da Aliança Popular Democrática, Abhisit Vejajiva, atual primeiro ministro.
Thaksin foi condenado em outubro de 2008 a dois anos da prisão por crime de abuso de poder, e está no exílio desde agosto do mesmo ano.
Veja fotos dos protestos
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