Sem trégua da inflação de alimentos — que se mantém no nível mais elevado desde 1977 — o Reino Unido resolveu facilitar as regras de importação de carnes do Brasil. E essa não terá sido a única razão para o anúncio da medida, que vinha sendo negociada desde outubro passado. Mas terá certamente precipitado a decisão, segundo interlocutores do governo brasileiro.
Em maio deste ano, as carnes bovinas e aves frescas ou cozidas aumentaram em média 15%, em comparação com o ano anterior, de acordo com dados do ONS, o instituto equivalente ao IBGE no país. Mas há casos de reajuste de quase 100% no período.
A avaliação é que o temor em relação à disparada do custo de vida e a resistência da inflação, sobretudo entre os alimentos, foram o empurrão necessário para agilizar o movimento britânico.
Isso acabou com os chamados controles reforçados às exportações brasileiras de carnes e derivados e retomaram por completo o sistema de habilitação de estabelecimentos por indicação das autoridades sanitárias brasileiras.
A decisão foi tomada com base no relatório da auditoria técnica sobre o sistema brasileiro de inspeção de produtos de origem animal realizada por equipes britânicas em outubro de 2022.
Foi a primeira missão de auditoria britânica ao exterior depois do Brexit, que aconteceu em janeiro de 2020. Os britânicos consideram que o Brasil resolveu os problemas de seu sistema regulatório sanitário e fitossanitário que haviam levado as autoridades daquele país a criar os controles reforçados.
Outra novidade que deve estimular as exportações brasileiras é que o Reino Unido também anunciou que eventuais restrições sanitárias para carnes de aves em função de casos de gripe aviária se darão em nível regional.
Ou seja, focos da doença que venham a ocorrer no Brasil levarão ao fechamento do mercado britânico apenas para as exportações de carne de aves dos estados afetados e não mais para todo o país, como acontecia antes. Essa é uma vitória do governo brasileiro, que vinha negociando com os britânicos desde o Brexit.
Exportações cresceram após o Brexit
O Reino Unido é um importante destino das carnes do Brasil. As exportações brasileiras de carnes de aves somaram US$ 282,2 milhões no ano passado e as de carnes bovinas US$ 134,5 milhões. Desde o Brexit, as exportações agropecuárias brasileiras para o Reino Unido aumentaram 67%, atingindo US$ 1,8 bilhão em 2022.
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Temor em relação à disparada do custo de vida e a resistência da inflação foram o empurrão para movimento britânico
Atribui-se à insistente pressão inflacionária no país uma lista de fatores. Entre eles, o Brexit, a falta de mão de obra (queixa recorrente dos setores varejistas, atacadistas e dos produtores rurais), a guerra na Ucrânia, alta dos custos de energia e até os casos de gripe aviária na Europa.
A boa notícia para o país é que, em junho, o índice de preços ao consumidor caiu para seu menor nível em 12 meses. Passou de 8,7% ao ano em maio para 7,9% em junho. Mas a inflação de alimentos, que está longe de ceder no mesmo ritmo, passou para 17,4% ao ano no mesmo período, contra os 18,4% registrados no mês anterior. Trata-se de movimento importante, mas ainda longe do necessário. Para especialistas, os preços continuam oscilando em patamares inadmissíveis.
A inflação de alimentos caiu um pouco em maio, mas segue em 18,4% ao ano, oscilando ainda no patamar mais alto de que se tem notícia desde os anos 1970. Entre as associações de produtores de carnes britânicas, não se descarta nem mesmo um cenário de desabastecimento.
Em março deste ano, a produção interna caiu 10%, o que se atribui justamente à disparada dos custos de produção, com destaque para o aumento das tarifas de energia. Há itens que dobraram de preço em um ano. É o caso de alguns tipos de carnes, iogurtes e legumes. Em fevereiro deste ano, tomates e pepinos foram racionados pelos supermercados, que impuseram limites para as compras dos consumidores. O mesmo chegou a acontecer com ovos.
O Banco da Inglaterra, o BC inglês, vem mantendo as taxas de juros nos níveis mais elevados para tentar conter a inflação. Mas outras medidas começam a ser adotadas pelo governo.
Em abril deste ano, quando os preços do frango nos supermercados britânicos bateram seu nível mais alto, o Reino Unido resolveu aumentar os volumes das cotas de carne de aves do Brasil. Passaram de uma cota total de 79,9 toneladas anuais para 96,5 mil toneladas anuais – um incremento de 16,6 mil toneladas no período para este setor do agronegócio.
Guerra da Ucrânia estimulou venda de soja
O cenário traz boas perspetivas para as exportações brasileiras para o Reino Unido. Desde a guerra na Ucrânia, subiram muito as vendas de soja, que, em boa medida, substituíram o milho ucraniano e russo. A venda de soja do Brasil para os britânicos passou de US$ 154,7 milhões para US$ 365,3 milhões entre 2021 e 2022, ou seja, um incremento de 136%.
Sobre as perspectivas, há boas expectativas para carnes bovina e de frango, agora que caíram as medidas restritivas, e, futuramente, ovos e derivados, além de lácteos, se o Reino Unido abrir o mercado nesses segmentos, o que ainda está longe de estar garantido. O governo brasileiro está trabalhando nesse assunto.