“A nossa geração não herdou nada de ninguém, não herdou esse planeta de ninguém. A gente pegou emprestado da futura geração. E nós estamos lidando muito mal com esse empréstimo. A gente vai sentir algum efeito dessa crise climática, mas quem vai pagar o preço mesmo é essa próxima geração que vem por aí”, em tom de alerta, o secretário-executivo do Observatório do Clima, Márcio Astrini, fala ao podcast Três por Quatro sobre o seu sentimento com desfecho da Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas (COP28).
As negociações climáticas, em Dubai, nos Emirados Árabes, que ao longo de 12 dias tiveram um forte apelo pela eliminação gradual (“phase out”, em inglês) dos combustíveis fósseis até 2050, terminaram; no entanto, apenas com a proposta de transição dos combustíveis fósseis (“transitioning away from”, no termo em inglês) no texto final.
O secretário-executivo do Observatório do Clima classifica o acordo final como ‘fraco’. “Há 29 anos, essas reuniões acontecem e nunca saiu do texto como realmente enfrentar o problema”, disse.
“Muitas vezes você fica mesmo com a ilusão de que chefes de Estado vão se reunir e que eles vão olhar e dar alguma solução coletiva. Não vão. A grande maioria das vezes eles estão aqui para olhar para os próprios interesses”, declara.
A repórter Nara Lacerda, da Brasil de Fato, que esteve na cobertura das negociações da COP28, conta ao podcast Três por Quatro sobre a recepção do texto final da conferência. Segundo ela, apesar do avanço, “a decepção foi gigantesca, porque, mais uma vez, a gente teve um texto subjetivo e, inclusive, com brechas para continuidade da poluição”.
A meta definida pela COP28 é de que o mundo chegue a um balanço neutro de emissões de gases do efeito estufa no futuro, assim como o estipulado pelo Acordo de Paris. E para isso, “a questão de acabar com o uso de combustíveis fósseis é a questão mais latente dessa COP”, lembra Nara.
A percepção de José Genuíno, ex-presidente do PT e comentarista do podcast Três por Quatro, é de que, na verdade, esse tipo de conferência serve apenas para pautar o assunto. “Agora, para solucionar, vai ser necessário medidas mais radicais”, afirma.
Segundo ele, “se não houver um debate mais politizado, mais consciente, mais organizado, a gente só vai criar uma ilusão”. E para isso, é preciso ir para rua, “nos movimentos, nos parlamentos, nos governos, no enfrentamento político, na mobilização da sociedade […]. Isso é uma luta política, não é apenas uma luta ambiental”.
Apesar das manifestações silenciosas, limitadas pela lei rígida dos Emirados Árabes, as praças do Expo City em Dubai foram tomadas por jovens, indígenas, mulheres, representantes de comunidades tradicionais e lideranças na luta por um freio nas mudanças climáticas.
“Está muito claro que para a nova geração de ativistas, nós estragamos o mundo, e que a gente tá dando um trabalhão para eles resolverem esse problema”, comenta a jornalista do Brasil de Fato Nara Lacerda.
Segundo ela, as manifestações da COP 28 emocionam: “essas coisas acontecem, são lindas, cheias de energia boa e participação popular”. Mas, “nas plenárias mesmo, quem manda é o ‘terno e a gravata’, é a política”.
Twitter/Greenpeace International
Negociações na COP28 apontam a necessidade de uma mobilização popular para conter aquecimento global
Brasil em evidência
Nara destaca a vitória dos ativistas brasileiros na edição deste ano da Conferência do Clima, que pressionaram pelo cancelamento da participação da empresa Braskem no evento. Em nota, a petroquímica afirmou que não participa do evento devido à crise que enfrenta em Maceió, onde uma mina para extração de sal-gema da empresa desabou.
“A não participação da Braskem é um fato grandioso, os movimentos populares brasileiros conseguiram e a gente tem influência”, afirma a jornalista. “Essas vitórias também têm que ser comemoradas e a gente volta para casa com mais força”, acrescentou.
A participação brasileira na Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas, em Dubai, nos Emirados Árabes, esteve em evidência durante todo o encontro. Para Márcio Astrini, esse destaque se dá pelo protagonismo do país no tema e, também, pelos importantes recursos ambientais no território brasileiro: “Se a gente perder a Amazônia, nós perdemos qualquer esperança de estabilizar o clima no planeta”.
Astrini explica que “a Amazônia é uma questão chave para todo esse debate de equilíbrio climático, porque a Amazônia estoca só nela, cerca de 10 anos de tudo que a humanidade emite de gás de efeito estufa”.
Durante o encontro deste ano, a cidade de Belém, no Pará, foi oficializada como sede da COP 30, em 2025. Segundo o especialista, o Brasil tem que aproveitar a oportunidade para “tomar a liderança dessa agenda. É um momento extremamente positivo”.
Entrada do Brasil na OPEP+
Simultaneamente à COP 28, o ministro de Minas e Energia, Alexandre Silveira, afirmou em vídeo-reunião da Organização dos Países Exportadores de Petróleo (Opep) que o Brasil pretende aderir à Opep+.
Na opinião do especialista Marcio Astrini, a movimentação brasileira gera um desconforto na COP. “Essa finalização da entrada, para este ambiente de Conferência, ela é uma sinalização que depõe contra”, afirma.
“A ideia do presidente Lula é de que o Brasil tem que estar presente em todos os fóruns multilaterais que existem no mundo”, opina o comentarista José Genoino. “Nós não vamos resolver a crise energética e a crise ambiental, se não entrarmos militantemente em todos os fóruns que existem dentro do multilateralismo”, acrescentou.
O ex-presidente do PT declara que, se o Brasil quer ser protagonista no tema, é preciso “meter a cara e marcar posição, porque se você se isola e fica lá no seu mundinho, o mundo caminha nessa loucura que é”. E completa, “esses países destroem a natureza e exploram a humanidade, eles agora têm uma espécie de culpa retardada”.
“Quando você tem um acordo com todos os países, tem uma exposição maior e tem um compromisso maior com todos eles”, afirma Márcio Astrini. “Então é muito importante as pessoas prestarem atenção no que está acontecendo aqui, porque aqui estão presentes todas as contradições do planeta, né? E cada vez que eles não chegam num acordo, mais vidas serão perdidas”.