A Dinamarca inaugurou um programa de reabilitação, oferecido para muçulmanos dinamarqueses que atuam na Síria, para tentar ajudá-los a melhorar dos traumas das experiências em zonas de conflito, reportou a Al Jazeera. Criado pelos serviços de bem-estar social em Århus, a segunda maior cidade dinamarquesa, o programa oferece tratamento tanto para ferimentos de bala e estilhaços, quanto para os traumas psicológicos que combatentes e voluntários humanitários desenvolvem no país árabe.
Além disso, o programa oferece suporte às famílias dos que ainda estão na Síria, ajudando-as a manter contato via Skype e auxiliando-as a manter contato com autoridades governamentais, consulados e agências de inteligência. De volta à Dinamarca, os combatentes ou voluntários também podem receber ajuda para encontrar trabalho ou para retomar os estudos.
Efe/ arquivo
Milícia da oposição luta contra tropas de Bashar al-Assad na cidade de Taal Sheen, próxima a Aleppo, maior cidade do país
“Muitos dos que voltam pra casa experimentaram algum tipo de perda da crença moral. Eles achavam que estavam indo para lá por uma boa causa. E o que eles encontraram foram bandidos que decapitam mulheres e crianças, estupram e matam pessoas. Tudo fede e você tem diarreia de beber a água do lugar. Não é uma grande batalha cósmica como você tinha imaginado”, explica Steffen Nielsen, consultor de prevenção de crimes e membro da força-tarefa que luta contra a radicalização e a discriminação em Århus.
Para Nielsen, as autoridades devem “abraçá-los” quando eles voltam à Dinamarca. “Todo debate político está repleto de simplificações. Você pode optar por dizer a essas pessoas ‘você escolheu ser um jihadista então não podemos usá-lo mais’. Ou você pode tomar um caminho mais inclusivo e dizer ‘ok, há sempre uma porta aberta se você quiser contribuir para a sociedade’. Não [fazemos isso] porque somos boas pessoas, mas porque acreditamos que é assim que funciona e dá certo”, diz.
Alternativa ao Reino Unido
O programa dinamarquês oferece uma abordagem alternativa em relação às recentes medidas tomadas pelas autoridades do Reino Unido, onde britânicos muçulmanos que regressam ao país são acusados de terrorismo e muitos deles acabam presos. Nesta segunda-feira (08/09), o primeiro-ministro britânico, David Cameron, conferiu poderes adicionais para a polícia confiscar passaportes, assim como anunciou que vai restringir e até banir a entrada de cidadãos britânicos que “ameaçam a segurança nacional”.
No mês passado, o prefeito de Londres, Boris Johnson, declarou que aqueles que retornam do Iraque e da Síria devem ser considerados culpados por envolvimento com terrorismo até que eles pudessem provar o contrário. “Diferentemente da Inglaterra, onde você é internado por uma semana até eles descobrirem quem você é, nós dizemos ‘você precisa de alguma ajuda?”, compara Nielsen.
Carlos Latuff/ Opera Mundi
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Ao contrário do pacote de combate ao terrorismo do Reino Unido – que inclui a participação obrigatória em um programa de “des-radicalização” para aqueles que mantêm crenças radicais – o programa de Århus é voluntário e não leva em conta questões ideológicas.
“Não gastamos energia lutando contra ideologias. Nós não vamos tentar tirar as crenças jihadistas dessas pessoas. Você está convidado a sonhar com o Califado. Mas há alguns significados que você não pode usar de acordo com o código penal daqui. Você pode ser um al-Shabab [membro de grupo islâmico extremista que atua na Somália], na condição de que você realmente não aja como um al-Shabab”, explica Nielsen.
Repercussão
Osama El Saadi, presidente da mesquita Grimhojvej de Århus, disse que os líderes da mesquita apoiaram a abordagem adotada pelas autoridades locais. “Este é o caminho certo: não culpá-los e não fazer com que eles sintam que fizeram algo terrível. Esta é a nossa abordagem: dar-lhes uma oportunidade para voltar e contar o que eles experimentaram”, diz Saadi à Al Jazeera.
Mehdi Mozaffari, especialista em islamismo e radicalização da Universidade de Århus, se disse satisfeito com os esforços das autoridades locais. “É positivo. Cada tentativa de mantê-los fora do terrorismo e da guerra é bem-vinda”, afirma ao veículo árabe. “Há uma necessidade de iniciativas decisivas como essa, mas não acho que esse tipo de projeto pequeno mudaria radicalmente a situação e nada garante que será um sucesso”, argumenta.
Para o especialista, é preciso um trabalho mais amplo na Dinamarca para promover ganhos democráticos nas comunidades marginalizadas e para integrar os jovens muçulmanos. Aos olhos de Mozaffari, é necessária uma estratégia coerente de toda União Europeia.