O historiador alemão Christian Russau acusou nesta quinta-feira (03/05), durante reunião dos acionistas da empresa em Berlim, a montadora Volkswagen, de “tentar enganar o público” com a tese de que a colaboração da companhia com a ditadura militar brasileira teria sido um ato individual de um funcionário. Para ele, a VW é “cúmplice” na entrega de supostos militantes à tortura.
“Acusei a Volkswagen de tentar enganar o público com a tese segundo a qual a colaboração da empresa com a ditadura e o fornecimento de informações aos agentes de repressão teria sido um ato unilateral do chefe de segurança Ademar Rudge. Tanto o relatório de Christopher Kopper, quanto o de Guaracy Mingardi [perito que investigou o caso para o Ministério Público], falam claramente que a diretoria de Volkswagen sabia dos fatos. Por isso, tornou-se cúmplice no procedimento de entregar supostos militantes à tortura”, afirmou o pesquisador na página da Associação de Acionistas Críticos no Facebook.
Em dezembro de 2017, a Volkswagen divulgou um relatório, feito por Kopper, em que confirmava a estreita colaboração entre o Departamento de Segurança da montadora e o regime e apontava a “lealdade” da empresa para com os militares. De acordo com o texto, Rudge, que era chefe do Departamento de Segurança, agia por “iniciativa própria, mas com o conhecimento tácito da diretoria”.
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Christian Russau (direita) afirmou que montadora tentou 'enganar público' com alegação de que proximidade com ditadura era ato individual de funcionário
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Russau afirmou, durante a reunião em Berlim, que a Volks tenta emplacar a ideia de que a colaboração foi “individual”. Na apresentação do relatório à imprensa, diz, “a VW reconheceu que havia uma cooperação entre 'membros individuais do Departamento de Segurança da planta' da Volkswagen do Brasil e o DOPS, mas que, todavia, não havia sido encontrada prova clara de que a cooperação se baseava em uma 'ação institucional por parte da empresa'”.
“Conclusão óbvia: os diretores alemães da Volkswagen do Brasil sabiam que os trabalhadores da empresa (sobre os quais a segurança interna informava aos agentes de repressão do DOPS) iriam ser torturados. Isso configura o crime de coautoria voluntária, informada e ativa para a tortura”, disse.
“A então diretoria da VW do Brasil era composta de cidadãos alemães, que atuavam diretamente como enviados de Wolfsburg no Brasil e, dessa maneira, representavam a companhia”, afirmou. Por conta disso, disse, fica configurada a corresponsabilidade da então diretoria da empresa na Alemanha com os crimes de tortura praticados contra funcionários.
Em resposta a Russau, a Volkswagen disse ser a “primeira” a “assumir responsabilidade histórica sobre as questões no que concerne à atuação de empresas entre 1964 até 1985.” “Encomendamos o estudo do professor Christopher Kopper, e publicamos, em dezembro do ano passado, o relatório final dele em São Paulo. Como gesto e compromisso com a democracia no Brasil e para o fortalecimento da atuação da sociedade civil brasileira, a Volkswagen do Brasil se comprometeu a financiar atividades e ações de entidades de direitos humanos. Outras possíveis implicações futuras serão discutidas e no momento apropriado serão decididas”, afirmou.
Em entrevista a Opera Mundi, Russau contou como fez sua pesquisa sobre as empresas alemãs no Brasil e como elas usaram artifícios como a corrupção e a colaboração com a repressão para atuar no país. Veja: