A promessa do presidente salvadorenho, o esquerdista Mauricio Funes, de criar um governo que combata a corrupção e a criminalidade, pode encontrar obstáculos caso a oposição, formada por direitistas, imponha-se na eleição do titular da Procuradoria-Geral da República, uma instituição historicamente acusada de favorecer a impunidade.
Depois de quase quatro meses de atraso na nomeação do procurador-geral e de longas negociações, os deputados da Assembleia Legislativa (parlamento unicameral) ainda não chegaram a um acordo.
Atrasos desse tipo não são novidade; e tampouco são novas as críticas aos parlamentares pela demora.
“São negociações obscuras, sem transparência, nas quais pode-se acabar privilegiando os interesses de poder ou os pactos de partidos, e não o interesse do cidadão”, disse ao Opera Mundi o advogado David Morales, da Fundação de Estudos para a Aplicação do Direito (Fespad).
Ele acrescenta que, “na maioria das experiências, os acertos entre partidos não garantem a independência dos funcionários”.
As nomeações dos procuradores nos últimos dez anos, como Belisario Artiga (1999-2005), Félix Garrid Safie (2006-2009) e, atualmente, o interino Astor Escalante, têm sido duramente questionadas por diversos setores, por causa do vínculo com a direitista Arena (Aliança Republicana Nacionalista), que se manteve no poder de 1989 a maio deste ano.
Embora os deputados defendam as inúmeras virtudes que o procurador deveria ter, como independência e coragem para investigar os delitos, vários analistas questionam que, no fim, predominam os interesses de grupos de poder de fato.
De acordo com as regras, o substituto de Safie deveria ter sido nomeado em 19 de abril. Por isso, seu adjunto (Escalante) se mantém no cargo desde então.
Escalante foi diretor de centros penais e vice-ministro de Segurança Pública e Justiça no governo do presidente Antonio Saca (2004-2009), motivo pelo qual o partido agora no poder, a FMLN (Frente Farabundo Martí para a Libertação Nacional), se opõe a uma nova candidatura, como propõe a Arena.
Funes, o primeiro mandatário de esquerda da história desta nação centro-americana, assumiu o Executivo em 1º de junho e se comprometeu a combater a corrupção, a delinquência comum e o crime organizado.
É uma promessa aparentemente difícil de cumprir, já que o parlamento é dominado por uma aliança de partidos direitistas que contam com 47 dos 84 votos. A eleição do novo funcionário requer o apoio de pelo menos 56 deputados, mas a FMLN tem 35.
Intenções na demora
Para Ramón Villalta, diretor da ISD (Iniciativa Social para a Democracia), a causa da demora é o fato de que esses partidos de direita pretendem nomear um procurador “vinculado” a eles, a fim de encobrir atos de corrupção do passado.
“A cidadania exige que o presidente Funes promova o indiciamento dos funcionários vinculados a governos anteriores acusados de cometer atos de corrupção”, sublinhou o representante da ISD, uma organização não-governamental dedicada à fiscalização social.
A poucos dias da posse, Funes denunciou uma série de irregularidades em várias instituições governamentais e anunciou a criação de uma comissão especial para investigar os delitos.
Além disso, ele insistiu na necessidade de julgar os responsáveis pelos altos índices de criminalidade no país, que em maio deste ano alcançou uma taxa de 61 homicídios por 100 mil habitantes, uma das maiores da América Latina e do mundo.
Segundo um estudo de 2007 do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD), mais de 85% desses assassinatos ficam impunes.
“O mais importante é que [o procurador] tenha disposição para investigar o crime”, afirmou o presidente, que desde o final de julho atua como mediador entre dirigentes políticos em busca de um acordo para a eleição.
Já a conservadora Fundação Salvadorenha para o Desenvolvimento Econômico e Social (Fusades) afirmou, em comunicado, esperar que os parlamentares elejam o mais rápido possível uma pessoa “honrada” e “idônea” para o cargo.
Na declaração, o grupo conclama os deputados a abrir mão de “qualquer outro interesse que não seja o de beneficiar a coletividade”.
Donato Vaquerano, líder parlamentar da Arena, afirmou que a intenção é eleger a pessoa “mais preparada do ponto de vista técnico e acadêmico, com valores humanos e com responsabilidade para enfrentar uma situação de delinquência sumamente grave”.
Em nova tentativa, os negociadores esperam resolver o impasse esta semana, depois de sete dias de férias, com a depuração de uma lista de 80 candidatos.
A eleição do procurador é uma prova de fogo para os legisladores, que “deverão demonstrar seu interesse na construção da institucionalidade do país”, afirmou Villalta.
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