Esotérica, nova direita se vê em cruzada contra modernidade, diz pesquisador
Benjamin Teitelbaum, autor de ‘Guerra pela eternidade: O retorno do Tradicionalismo e a ascensão da direita populista’, explica o que é o movimento Tradicionalista
Benjamin Teitelbaum é etnógrafo, doutor pela Universidade de Brown e professor de relações internacionais na Universidade do Colorado (Estados Unidos). Ele realizou entrevistas com ideólogos de direita entre 2018 e 2019, para compor o livro War for Eternity: Inside Bannon’s Far-Right Circle of Global Power Brokers, lançado em inglês, no começo de 2020. A tradução para o português, sob o título de Guerra pela eternidade: O retorno do Tradicionalismo e a ascensão da direita populista, chegou no começo de dezembro pela Editora da Unicamp (R$ 66).
A Editora da Unicamp entrevistou Teitelbaum, que se encontrou com as principais figuras ligadas aos políticos populistas da nova direita de vários países: Aleksandr Dugin, na Rússia, Steve Bannon, nos Estados Unidos de Trump e Olavo de Carvalho, no Brasil de Bolsonaro. O que parece ligar essas e outras personalidades em uma rede são princípios do Tradicionalismo, corrente filosófica que surgiu no início do século 20.
No seu livro, você distingue o tradicionalismo — um termo bem conhecido em um sentido geral — do Tradicionalismo — o movimento que ganhou um espaço significativo na atmosfera sociopolítica. Qual a diferença entre a palavra com “t” minúsculo e a com “T” maiúsculo?
Benjamin Teitelbaum: O Tradicionalismo com T maiúsculo é uma escola filosófica e espiritual pouco conhecida e excepcionalmente enigmática, que tem raízes no sul da Europa do início do século XX. Sempre que estou escrevendo e falando sobre essa escola, gostaria que ela tivesse um nome igualmente excêntrico, mas infelizmente… O Tradicionalismo busca desvendar as verdades do universo por meio do estudo de ramos esotéricos de várias religiões, na maioria das vezes do islamismo sufista e do hinduísmo, com base na premissa de que essas religiões contêm fragmentos de ensinamentos antigos que se perderam para a humanidade. Apenas secundariamente, e só para alguns de seus seguidores, o Tradicionalismo é também uma ideologia política centrada na grandiosa e vaga tarefa de oposição à modernidade, era que eles consideram como sendo marcada pela mais profunda ofensiva às verdades eternas.
As características do Tradicionalismo que mais importam no meio político incluem, em primeiro lugar, a crença em um tempo cíclico e não linear; o que significa que, em vez de progredir a partir de um momento de corrupção para um futuro de glória, as sociedades estão quase sempre em um ciclo de declínio, que termina em um cataclisma para renascer na virtude, e, depois, o declínio inicia de novo, e assim vai. Em segundo lugar, estaria a crença de que sociedades virtuosas são formadas em torno de um sistema de castas hierárquico de base indo-europeia, com uma pequena elite de sacerdotes no topo de uma pirâmide abaixo do qual estão guerreiros, comerciantes e, finalmente, uma base formada pela massa de escravos. Quando os tempos estão bons, a hierarquia está intacta e a espiritualidade dos sacerdotes reina, mas quando os tempos estão ruins, o materialismo dos escravos e comerciantes governa, e a própria hierarquia é dissolvida à medida que a humanidade é nivelada em uma única massa. E, finalmente, a crença — às vezes chamada de “inversão” — de que quando os tempos estão ruins e a humanidade é nivelada em uma massa inferior durante o final de um ciclo do tempo, as coisas serão compreendidas de modo contrário ao que realmente são: o que pensamos ser bom é, na verdade, ruim; alguém que é oficialmente devoto ao campo espiritual é um escravo do materialismo; professores espalham ignorância em vez de conhecimento; jornalistas desinformam; artistas criam feiura etc.
Tudo isso prepara o terreno para uma análise política que rejeita noções liberais fundamentais de progresso, condena o foco materialista (econômico) da maior parte da política moderna, rejeita especialidades formais e qualificações oficiais. Além disso, vê a destruição do sistema como algo necessário ao final de um ciclo de tempo, que tem, à frente, um momento de renascimento. Essa análise assenta-se majoritariamente em ensinamentos religiosos esotéricos orientais.
Alguma parcela disso pode se assemelhar ao “tradicionalismo” com t minúsculo ou ao “tradicionalista”, no sentido comum do termo. Particularmente, podemos notar que tanto o tradicionalismo, quanto o Tradicionalismo compartilham do ceticismo em relação ao progresso e da crença de que a sociedade está se tornando menos ordenada e mais caótica, vazia de autenticidade. Entretanto, o Tradicionalismo não só leva essas ideias a pontos extremos e as defende com base em ensinamentos religiosos que podem ser considerados obscuros, mas também introduz uma característica peculiar ao considerar que o declínio da sociedade pode ser saudado e comemorado como um sinal de que um ciclo de tempo está chegando ao fim e o renascimento está se aproximando. O declínio social deixa um tradicionalista pessimista, mas um Tradicionalista esperançoso.
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Steve Bannon, ex-presidiário e um dos líderes da nova direita: cruzada contra modernidade
No livro, você mostra que Steve Bannon disse que “nem tudo era boa notícia” quando se referiu aos racistas e antissemitas que se juntaram aos movimentos nacionalistas, apesar de ele também ter constatado que essas pessoas desapareceriam à medida que os movimentos inspirados no Tradicionalismo amadurecessem. Como a direita Tradicionalista difere do fascismo e do neonazismo?
BT: Quando distingo a direita Tradicionalista do fascismo e do nazismo, não penso em afirmar que a primeira é menos perigosa do que as duas últimas. Na verdade, o pai do Tradicionalismo político, Julius Evola, via-se à direita do fascismo.
O Tradicionalismo considera-se verdadeiramente antimoderno e frequentemente acusa o fascismo e o nazismo — apesar de suas naturezas destrutivas — de serem causas políticas essencialmente modernas. E esse raciocínio não é falso ou difícil de acompanhar, pois o fascismo e o nazismo acreditam na organização e racionalização da massa, no potencial revolucionário da ciência moderna e em alguma forma de igualitarismo.
Tanto o nazismo quanto o fascismo eram progressistas, apesar de terem suas próprias visões de progresso e enxergarem o passado como algo a ser superado. Os Tradicionalistas consideram tudo isso como uma perigosa réplica dos mesmos princípios que sustentam o liberalismo. E a justificativa dos Tradicionalistas que apoiaram o nazismo e o fascismo (como, novamente, Julius Evola) foi a de que um nacionalismo reacionário oferecia uma alternativa temporária às forças niveladoras ainda mais massificantes do comunismo e do capitalismo global. Para eles, se o fascismo prevalecesse, ele poderia ser, mais tarde, transformado em um modelo sociopolítico mais teocrático, menos materialista e menos igualitário, que talvez se aproximasse melhor dos ideais Tradicionalistas.
Isso me torna pouco receptivo às ideias daqueles que acreditam que o Tradicionalismo não passa de fascismo disfarçado. E deve-se reconhecer também que a escola de pensamento Tradicionalista é capaz de evitar algumas das características descaradamente incendiárias de Hitler e Mussolini. O racismo e o machismo explícitos, por exemplo, são variáveis que aparecem em apenas algumas correntes do Tradicionalismo. Ainda assim, em praticamente todas as circunstâncias, os Tradicionalistas não apoiam movimentos progressistas e emancipatórios como o feminismo ou o antirracismo (emancipação, ou seja, a libertação de um passado de opressão para um futuro de liberdade, é um conceito falso aos olhos Tradicionalistas). E a oposição deles frente à democracia liberal é mais profunda, mais teorizada e, possivelmente, mais radical e elaborada do que a de um neonazista médio atual.
Como você mostra no livro, Tibor Baranyi, o conselheiro do partido nacionalista húngaro Jobbik, considerou que você era um tipo de espião e sabotador e recusou-se a encontrar com você. Houve outros momentos tensos durante a sua pesquisa, especialmente quando você conheceu as figuras mundiais mais influentes da direita Tradicionalista?
BT: Todas as interações cara a cara que tive foram cordiais e agradáveis. Isso vale tanto para Bannon e Olavo quanto para Baranyi. Para Dugin também, embora eu deva mencionar que ter qualquer tipo de contato com ele nos Estados Unidos sempre foi muito estressante, dado que ele está sob sanção do governo.
Na verdade, os momentos mais inquietantes e ameaçadores ocorreram quando eu acompanhava uma rede bizarra de agentes que estavam tentando usar o Tradicionalismo para fazer lobby para Bannon e, depois, Trump. Eles pareciam pouco sérios em vários aspectos, cheios de si e constantemente delirantes. Ainda assim, eles induziam as pessoas ao seu redor a agirem não só de maneira inconsequente, mas criminosa. Eu estava me preparando para aproximar-me de uma dessas figuras, um homem chamado Michael Bagley, quando, durante a minha pesquisa, ele foi preso em uma operação do FBI por tentativa de lavagem de dinheiro para um cartel de drogas mexicano.
Fiquei contente por não ter chegado muito perto dessa situação, mas foi um lembrete de que quando você se aventura nas margens ideológicas mais extremas, frequentemente entra em mundos de instabilidade social e insegurança profundas. Foi uma situação dramática com Bagley, mas estilos de vida caóticos e destrutivos também fazem parte da biografia de outras figuras proeminentes que estudei — algumas sobre as quais escrevi, algumas não.