Um livro ótimo, inteligente e muito divertido: Odisseia de Homero segundo João Vítor, de Gustavo Piqueira (Ed. Gaivota, R$ 68)
Os alunos de um sexto ano deveriam ler a Odisseia de Homero. A tarefa se complica para alguns deles. Entre estes, o Joao Vitor que figura no título e que é o narrador da história. Logo nas primeiras linhas, ele explica à professora que “…na edição que peguei na biblioteca, não havia sobrenome do autor, apenas o primeiro nome, Homero. Como todo mundo tem sobrenome, coloquei um bem comum…”
É então que nós, leitores, entendemos o título que João Vitor deu ao trabalho que entrega à professora Denise: “Leitura e interpretação do livro A Odisseia de Homero da Silva”
Ao longo da história, vamos acompanhando – deliciados e dando muita risada- como João Vítor lê e comenta a história do regresso de Ulisses a Ítaca. Qualquer leitor se diverte. E nós, professores, no que João Vítor comenta do clássico grego, reconhecemos (ou aprendemos?) muito do que nossos alunos não dizem, mas provavelmente pensam e sentem. Deuses olímpicos ou heróis homéricos: nenhum resiste à irreverência do narrador. Para ele, por exemplo, “percebendo que Telêmaco era um inútil, o deus chefão Zeus decide agir por conta própria e ordena que duas águias sobrevoem a praça.”
Mais à frente no livro, mais modernizações desautorizadas, tanto na reprodução do que a história registra (“o rei Alcino […] degola doze ovelhas para assar num churrasco”), como no comentário que a passagem sugere a Joao Vitor (“hoje em dia é tudo tão mais fácil, não é, professora Denise? Imagine só, degolar ovelhas. Hoje se vende a picanha fatiada e limpa no açougue, no supermercado e até no posto de gasolina.”)
Seguindo canto a canto a história da Odisseia, o trabalho de recuperação de João Vitor termina de ser redigido a caminho da escola em novas, divertidas e politicamente incorretíssimas situações.
O livro também é lindo como objeto: suas ilustrações coloridas, assinadas por Gustavo Piqueira, articulam-se muito bem ao tom irreverente da história. Por exemplo: ao lavar os pés de Ulisses, Euricléia usa uma bacia de plástico, com produtos de limpeza, e a cabeça de Penélope ostenta um belo par de chifres. Sem contar os deuses que aparecem em trajes ocidentais modernos, ao lado de automóveis e iates… Livro delicioso!
À história narrada por João Vítor, segue-se a narração de experiências de leitura do autor. Poucas páginas. Levíssimas. Nelas, educadores, pais e editores encontram assunto para conversas incríveis. Depois… sim, há ainda um depois: a reprodução de cenas da Odisseia em diferentes objetos artísticos, desenhos inspirados em passagens de Homero, uma rápida história da Odisseia e verbetes para cada uma das personagens presentes na história.
Não é pouco, não é mesmo?
Repito que é um livro ótimo, inteligente e muito divertido. Ótimo presente de Natal, para colorir um pouco o cinzento deste 2020.
(*) Texto publicado originalmente no Facebook da autora