Os milhares de cubanas e cubanos que foram à praça da Revolução nesta segunda-feira (28/11) dar adeus a Fidel Castro superaram extensas filas e esperaram mais de seis horas para prestar uma última homenagem ao líder e ex-presidente do país. Fidel morreu na noite de sexta (25/11) e suas cinzas seguirão por várias cidades de Cuba, repetindo o trajeto da Caravana da Liberdade, de 1959.
Na capital Havana, sob intenso sol que aqueceu o dia além dos 30ºC, a reportagem de Opera Mundi acompanhou as milhares de pessoas e presenciou as conversas que lembravam as histórias mais marcantes de Fidel, menções aos seus discursos emblemáticos, como o que dizia que o futuro do país está nos homens de ciência (de 15 de janeiro de 1960), e relatos de como a sua personalidade se projetava dentro de Cuba e internacionalmente.
Fotos: Camilo Tavares/Opera Mundi
Cubanos chegaram a esperar seis horas para conseguir render homenagens a Fidel
Até a ameaça do recém eleito presidente dos EUA, Donald Trump, de suspender o diálogo com Cuba caso os termos do acordo firmado entre as duas nações não sejam revistos, integrou o cardápio das múltiplas conversas que acompanhavam o lento andar da fila. “Era isso que se esperava de um tipo como esse [Trump]”, comentou um senhor com ar sério. “O comandante [Fidel] sempre provocou irritação neles, desde a Baía dos Porcos”, completou outro senhor, mais velho, com trajes militares. “Nunca precisamos dos EUA”, sentenciou uma das mulheres que participava da conversa.
A liberação do trabalho permitiu ao povo que rumasse em massa para o Memorial José Martí, localizado na praça da Revolução, desde as horas iniciais do dia. O acesso à visitação da sala montada para o adeus a Fidel foi aberto pontualmente às 9h, mas os primeiros chegaram por volta das 7h. O fluxo crescente de cubanas e cubanos, de diferentes idades e ocupações, passava por três momentos no trecho experimentado pela reportagem, a partir da avenida Paseo de los Presidentes: uma fila inicial até as grades que bloqueavam o acesso à praça; a separação em grupos dos que ultrapassavam as grades, que pouco a pouco prosseguiam, já sob as sombras de árvores que amenizavam o forte calor até a passagem pela sala de assinatura do livro de condolências; e uma nova fila, novamente à luz direta do sol, que se estendia até o ingresso no Memorial.
Pessoas ficavam por 15 segundos, no máximo, em frente ao painel com foto de Fidel
Ao adentrar a sala, ao som constante das palavras “andem” e “prossigam” ditas por voluntários que ajudavam na organização, as pessoas ficavam por no máximo 15 segundos, sempre sem se deter diante do painel com a foto de Fidel e uma grande quantidade de flores. Na saída, fazendo o caminho contrário ao da entrada, a fila permanecia nas mesmas dimensões, apenas com uma quantidade maior de crianças e jovens, liberados apenas à tarde das atividades escolares.
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As pessoas mantinham o tom de voz baixo nas conversas, como que a corroborar a frase de um dos presentes, um homem preto, de 50 anos. “O momento é de respeito”, diziam em volume um pouco acima das conversas que o cercava no único momento de algum tumulto. Por volta das 14h, um grupo de jovens que entoava gritos pró-Fidel tentou aproveitar o espaço aberto para retirada de uma mulher que desmaiou com o calor para passar avançar na fila, mas foram impedidos pelos demais e pelo forte aparato de segurança que quase não precisou intervir, dada a tranquilidade com que desenrolava o ingresso das pessoas à visitação.
Camisetas com imagens de Fidel e outros ícones da Revolução Cubana, frases e a assinatura de Fidel, além de roupas de trabalho, como médicos, e uniformes escolares, compunham o cenário, revelando que o apoio ao líder revolucionário vem de muitas partes. Entre elas, a jovem Yoni Melia, de 20 anos, que disse que a quantidade de pessoas presentes era para mostrar o respeito a tudo o que Fidel fez. “Estamos tristes e viemos aqui para lembrar sua liderança e da sua luta pela igualdade”, afirmou.
Painel de Fidel foi fixado na praça da Revolução, em Havana
O comportamento das cubanas e dos cubanos demonstra que a noção de igualdade é muito presente no cotidiano. Raramente se via pessoas fazer uso de suas condições de prioridade ao acesso, sempre quando havia crianças muito pequenas ou bebês envolvidos. “Estou aqui desde às 9h, sem tomar café da manhã ou ir ao banheiro e tenho 86 anos. Aqui vou ficar inteira até a minha vez de saudar o comandante”, dizia Yolanda Carrera sempre que alguém lhe sugeria passar adiante na fila ou ameaçava reclamar da demora.
Na praça da Revolução, onde já existiam monumentos com os rostos de Ernesto Che Guevara e Camilo Cienfuegos em edifícios governamentais defronte ao Memorial José Martí, um grande painel de Fidel foi fixado no Ministério das Comunicações, vizinho à imagem de Camilo.
Agora, as três principais lideranças do processo revolucionário cubano olham a praça que recebeu a massa cubana para celebrar a vitória sobre o governo deposto de Fulgêncio Batista e que volta a receber uma multidão. Desta vez, para um abraço simbólico e o agradecimento a Fidel Castro.