As regiões separatistas da Ucrânia, em conflito desde 2014, estão a um passo de se converterem, definitivamente, em parte da Rússia. Isso porque, desde a última sexta-feira (23/09), cidadãos das regiões de Donetsk e Lugansk estão participando de um referendo para decidir se querem ou não se tornar independentes e se incorporar à Rússia.
Desde que tenham passaporte ucraniano ou outro documento que comprove sua identidade e que residam ou tenham nascido nas regiões independentistas, qualquer pessoa pode votar. A consulta, que será realizada até o dia 27, também está ocorrendo nas cidades de Kherson e Zaporíjia, esta última famosa por ter uma central nuclear.
Serão cinco dias de consulta e ainda não há previsão de quando serão divulgados os resultados. Quando questionados sobre as razões de um processo tão longo, fontes oficiais do governo russo informaram que se trata de uma questão de segurança.
Os centros de votação foram montados nas regiões separatistas, em cidades russas fronteiriças, onde vivem um grande número de refugiados, em especial, vindos de Donetsk e Lugansk, e em outros pontos do país euroasiático.
Cerca de 200 observadores internacionais estão na Rússia para acompanhar o processo, entre eles intelectuais, jornalistas, diplomatas e outros profissionais da América Latina, África, Europa e Ásia.
Além dos centros de refugiados, os observadores também vão visitar locais de votação em território ucraniano em Lugansk, Donetsk e Zaporijia. Também está prevista uma visita à usina nuclear desta cidade.
Caso a opção pelo “sim” vença, todas as pessoas da região se tornarão cidadãos russos, com os mesmos direitos e deveres de quem nasceu na Rússia.
Como votar em meio a bombardeios?
Nos últimos dias, Kiev intensificou os bombardeios contra territórios onde estão sendo realizadas a consulta, sobretudo em Donetsk. Assim, para garantir que pessoas nessas regiões militarizadas possam votar com segurança, membros da comissão eleitoral visitam as casas, sem a necessidade de que a população se desloque até o centro de votação.
Com a situação, muitos temem sair de suas casas e serem atingidos por algum bombardeio ou ataque ucraniano. As comissões também atendem cidadãos com dificuldade de mobilidade.
Vanessa Martina
Cidadãos de Donetsk e Lugansk vão decidir se querem ou não se tornar independentes e se incorporar à Rússia
Nos dois primeiros dias de votação, de acordo com o portal russo RIA Novosti, 858.681 pessoas votaram na República Popular de Donetsk, o que representa cerca de 55%. Já em Lugansk, 45,86% já compareceram às urnas. Em Zaporíjia, 35,54% votaram até agora, enquanto em Kherson, foram 31,79%.
O voto, que não é obrigatório, é feito de forma impressa. Uma folha de papel traz a pergunta, em russo: “você é a favor da entrada da República Popular de Donetsk [a depender da região] como parte da Federação Russa?”, em tradução livre. As respostas são “sim” e “não”.
Além disso, a folha tamanho A4 descreve o passo-a-passo de como preencher a cédula, incluindo a necessidade de certificação de dois membros da comissão eleitoral do distrito. Após preenchida, a cédula deve ser colocada em uma urna lacrada.
Refugiados
Dentro do território russo vivem pessoas que nasceram nas regiões separatistas e que fugiram do conflito — em sua maioria nos últimos seis meses. Estas pessoas estão aptas a votar em centros montados nas cidades com maior concentração de refugiados.
Não é possível precisar a quantidade de eleitores nessas condições, porque nem todos estão em centros de refugiados, mas apenas na região de Rostov do Don, localizada no Sul da Rússia e próximo a Donetsk e Lugansk, estima-se que haja 5 mil refugiados.
Questionados por esta reportagem sobre as expectativas em relação ao referendo, os refugiados expressaram esperança na paz e no retorno a suas casas nas regiões separatistas.
Essas pessoas, embora nascidas em território que hoje é a Ucrânia, compartilham com os vizinhos russos o idioma, a religião — cristianismo ortodoxo russo — e a cultura. São consideradas por Moscou e por eles mesmos como russos.
Desde as mobilizações na Praça Maidan e a chegada de um governo contra Moscou, a perseguição às pessoas de origem russa na Ucrânia aumentou enormemente. O idioma russo passou a ser proibido nas escolas, livros dessa nacionalidade foram queimados e a Ucrânia começou as articulações para uma possível entrada na Organização do Tratado Atlântico Norte (Otan).