'Falso turista': Argentina usa argumento da ditadura para barrar imigrantes brasileiros
Segundo reportagem investigativa do UOL, governo Milei usa mecanismo para impedir que cidadãos documentados do Brasil entrem em território argentino
Em uma reportagem investigativa publicada nesta quarta-feira (21/02), o UOL denunciou que o governo da Argentina, sob a presidência de Javier Milei, tem impedido que brasileiros documentados entrem em seu território sob acusação de serem “falsos turistas”, argumento utilizado durante a ditadura no país vizinho (1976-1983).
A publicação destaca relatos de brasileiros barrados em aeroportos argentinos e obrigados a voltarem para o Brasil, mesmo com documentação comprovativa de estudos em território argentino ou, de fato, para turismo.
O jornal traz ao conhecimento um grupo impedido de entrar no país vizinho no dia 30 de janeiro, formado por duas pessoas que apresentaram à migração argentina seus documentos para frequentar universidades no país; e outras duas que afirmaram serem turistas.
Apesar dos documentos comprovatórios, os quatro não tiveram permissão para entrar — além da classificação como “falsos turistas”, também receberam como justificativa “documentação insuficiente”.
O grupo de quatro brasileiros não foi o único barrado nas fronteiras argentinas, segundo a investigação outros casos também foram relatados em fevereiro.
Esse foi o caso de Natalia [nome fictício], estudante que foi à Argentina para estudar Artes, mas foi barrada no aeroporto e enviada de volta ao Brasil, mesmo possuindo a documentação.
“Como falsa turista? Eu vim estudar Artes, tenho minha matrícula na faculdade, hospedagem na residência estudantil, todos os documentos. Me colocaram em um avião e não me deixaram saber o número do voo. Me fizeram sentir uma bandida. Foi muita humilhação. Era meu sonho. Todas as minhas economias foram para estudar na Argentina”, afirmou a jovem à mídia.
Agência Senado/Flickr
Além de brasileiros, outros estrangeiros sul-americanos também foram impedidos de cruzarem fronteira argentina
Mecanismo da ditadura
O argumento de “falso turista” foi amplamente usado na época da ditadura, quando o setor de migrações se baseava em uma ideia abstrata sobre quem entrava na Argentina por turismo ou por razões distintas.
Segundo o advogado Diego Morales, do Centro de Estudos Legais e Sociais da Argentina, consultado pela reportagem do UOL, a suspeita de “falso turista” recaía principalmente sobre o estrangeiro latino-americano.
O especialista menciona que o acordo regente entre Brasília e Buenos Aires no âmbito do Mercosul, sob a nova Lei de Imigração e o convênio Brasil-Argentina, “mudou a resolução da ditadura”, fazendo com que o argumento seja inviável.
“Não está previsto na normativa que se pode expulsar alguém na figura de falso turista porque veio estudar. Se a pessoa tem a documentação necessária, é a autoridade migratória quem tem que explicar as razões pelas quais o cidadão não pode entrar na Argentina. Esses casos podem ser reclamados diplomaticamente”, explica Morales ao UOL.
O advogado ainda cobra que o governo brasileiro “deveria estar preocupado em como os seus nativos são tratados em território argentino”.
Além de brasileiros, outros estrangeiros sul-americanos também foram impedidos de cruzarem a fronteira argentina. A imprensa equatoriana divulgou que em janeiro ao menos 20 cidadãos foram expulsos do aeroporto com o argumento de “falso turista”.
Por sua vez, a Argentina ainda não se posicionou sobre as recentes expulsões de estrangeiros latino-americanos. Porém, segundo a Comissão Argentina para Refugiados e Migrantes (Caref), em Buenos Aires, desde dezembro de 2023 aumentaram os casos de estrangeiros sul-americanos impedidos de entrar, principalmente equatorianos e chilenos.
Para a advogada e coordenadora do Caref, Lucia Galoppo, o uso da resolução de “falso turista” está em consonância com o governo de Milei.
“A atual gestão tem limitado o acesso de imigrantes a direitos como educação e saúde e instalado um discurso de criminalização da imigração. Ambos os discursos são dirigidos a imigrantes sul-americanos. É muito provável que isso tenha relação com o endurecimento dos controles”, afirmou.
(*) Com Spuntiknews
