Em teoria, o Estado existe para ordenar os conflitos e os poderes, não de forma neutra, mas buscando a promoção dos direitos humanos, a justiça social e o equilíbrio social. Assim, o Estado deveria regular a defesa nacional, o poder de polícia, a justiça, a educação e a saúde, entre outros serviços públicos, bem como a vida econômica e o funcionamento dos mercados. Isso não significa que o Estado seja neutro, porque em uma sociedade capitalista ele tem de garantir o principal: a defesa do direito de propriedade.
Se questionarmos de onde vem a propriedade de uns, ficaria claro que: (1) as economias capitalistas se desenvolveram destruindo as formas mais variadas de propriedade comunal (comum, de tradição coletiva), para dar origem aos proprietários privados independentes (os produtores/ vendedores de mercadorias); e (2) depois, essa propriedade – que cada um tinha e que permitia que eles fossem assim “independentes” –, passou a ser concentrada nas mãos de alguns poucos. Para se ter uma ideia desta concentração atualmente, os dados divulgados pelo instituto de pesquisa suíço ETH no relatório The Network of Global Corporate Control[1], demonstram quanto poder de controle cada corporação exerce sobre outras corporações, por meio de aquisições de ações e tomadas cruzadas de participação. O resultado é impressionante: 737 corporações, a nível mundial, controlam 80% do mundo corporativo e 147 delas estão no núcleo duro do poder, controlando 40% das empresas.
No caso brasileiro, o conjunto corporativo dominante é composto por 200 holdings (estrangeiras, nacionais privadas e estatais) que integram 6.235 unidades empresariais. Esta rede responde por 63,5% do PIB brasileiro e, considerando que no país há 19,7 milhões de empresas ativas, significa que quase 70% de toda a riqueza produzida no país está nas mãos de 0,03% das empresas. O 1% das empresas com maior poder econômico são, pela ordem[2]: Rede D ́Or, Vale, Petrobrás, AEGEA, Neoenergia, Alupar, Cemig, CSN, GV Holding, Bradesco, Suzano, Construtora Queiroz Galvão, Furnas, WEG (Áustria), Votorantim, Energisa, Copel, Eletrobrás, Odebrecht, Cyrela, Marcopolo, Raízen, Diagnósticos da América, BTG Pactual, Santander, Ipiranga, WEG Equipamentos Elétricos, State Grid Brazil, Fitesa, Itaú Unibanco, EDP Energias, Taesa, The Body Shop International (Reino Unido), Eurofarma, Janus Brasil Participações, Notre Dame Intermédica, Banco do Brasil, Chesf CEBE, JBS, CNO, Ambev, CPFL Energia, Klabin, Marfrig, Queiroz Galvão Desenvolvimento de Negócios, Cosan, Petrobrás Gaspetro, Minerva, Petrobrás International Braspetro (Holanda), Braskem, Saint Gobain, NX Saneamento, Natura, XP Investimentos, Somos Operações Escolares, CPC – Cia de Participações em Concessões, Nexa (Luxemburgo), Cia de Transmissão de Energia Elétrica Paulista – CTEEP, BRF, Cutia Empreendimentos Eólicos, Gerdau e Camargo Correa.
Saulo Cruz / MME
Bolsa de Valores de São Paulo durante leilão de transmissão do Ministério de Minas e Energia, em dezembro de 2012
Isto é, uma pequena quantidade de empresas privadas controla a maior parte da economia brasileira, com destaque para os setores de energia, finanças e saúde. Importante lembrar de Jorge Paulo Lemann, Carlos Alberto da Veiga Sicupira e Marcel Herrmann Telles, os maiores bilionários do país, e donos de algumas das empresas atualmente mais poderosas que atuam em território nacional: a Ambev e as Lojas Americanas. Esta última, como se sabe, recentemente esteve envolvida em um esquema de fraude cujo valor do rombo está entre 20 e 40 bilhões. Outro caso contemporâneo envolvendo uma das gigantes da economia, é o maior crime ambiental ocorrido em solo urbano em curso no país, o rompimento da mina de sal-gema da Braskem, em Maceió.
É difícil separar o grande controle privado sobre as questões públicas, impondo suas próprias condições para a condução da sociedade pelo Estado, mesmo que isso resulte em fraudes e crimes ambientais. Em outras palavras, a economia brasileira, uma das maiores do mundo, é dominada por um pequeno número de atores individuais e privados cujas metas e estratégias respondem apenas aos seus próprios interesses. Se comparados lucro e patrimônio com o PIB e o orçamento público federal, percebemos que o poder corporativo privado é igual ou até maior do que as somas governamentais, pelo menos em termos quantitativos. As corporações não são apenas agentes econômicos em um mercado livre, mas sim um efetivo poder de determinação social e política. Ou, como já bem explicou Marx[3], o capitalismo não é somente um modo de produção, é uma relação social, que se manifesta enganosamente como uma mera transação entre mercadorias, dinheiro, capital; mas é também, principalmente, uma organização que inclui o modo com que a sociedade se estrutura em relações de poder.
(*) Bianca Valoski é doutoranda no Programa de Pós Graduação em Políticas Públicas da UFPR, dentro da linha de pesquisa em Economia Política do Estado Nacional e da Governança Global. É servidora da Câmara Municipal de São José dos Pinhais, onde trabalha com finanças públicas.