El Salvador tem uma área total de 2,1 milhões de hectares, dos quais quase 995 mil são cultiváveis. Desta quantia, cerca de 770 mil hectares são cultivadas e o resto são terras classificadas com ociosas. Frente à expansão das monoculturas para exportação, principalmente de café e cana de açúcar, que ocupam cerca de 260 mil hectares, nos últimos 5 anos o governo do presidente Mauricio Funes promoveu políticas de plantio de alimentos, aumentando a produção de grãos básicos (milho, feijão, arroz e sorgo ) de 12 a 22,5 milhões de quintais, em uma área total que alcançou 210 mil hectares.
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Essas medidas respondem à situação crítica do país em relação à capacidade de satisfazer a demanda interna de alimentos e de alcançar sua soberania alimentar.
Depois dos Acordos de Paz de Chapultepec que, em 1992, puseram fim a 12 anos de guerra civil (1980-1992), e da vitória do partido Arena (Aliança Republicana Nacionalista) nas primeiras eleições pós-guerra (1994), El Salvador enfrentou a aplicação e o aprofundamento de medidas macroeconômicas neoliberais, que privilegiaram a redução do Estado, a privatização dos serviços públicos e a o abandono da agricultura e da produção de alimentos.
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Para os governos que se sucederam por mais de 15 anos, foi mais importante focar na expansão do setor bancário e financeiro, nas montadoras manufatureiras, assim como na agroindústria e na produção agrícola para exportação em grande escala e na importação de alimentos, todos setores controlados por um grupo muito reduzido de famílias da burguesia salvadorenha.
“Passamos mais de 15 anos na defensiva, sem crédito nem assistência técnica, resistindo à agressão do modelo neoliberal que se abateu sobre nosso país, particularmente contra o modelo cooperativo agropecuário e o desenvolvimento efetivo da reforma agrária promovida depois dos Acordos de Paz”, disse Abel Lara, presidente da CONFRAS (Confederação de Federações da Reforma Agrária Salvadorenha) a Opera Mundi.
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Lara: “Ppssamos mais de 15 anos na defensiva, resistindo à agressão do modelo neoliberal que se abateu sobre nosso país”
Essa situação provocou uma paulatina reconcentração da terra e um aumento progressivo do custo dos grãos básicos, como resultado, também, da entrada em vigor, em 2006, do CAFTA-RD (Tratado de Livre Comércio entre Estados Unidos, América Central e República Dominicana).
Da defensiva à proposta
O dirigente camponês explicou que, durante todo esse período, aconteceu uma verdadeira contrarreforma agrária, que deixou o setor agropecuário abandonado. “Nos aliamos com outras organizações e começamos a promover fortes mobilizações para exigir políticas públicas a favor do setor. Sofremos repressão, detenções, mas nunca paramos de lutar.”
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Foi assim até 2009, quando, com a vitória eleitoral de Funes, as coisas começaram a tomar um curso diferente. “Nos envolvemos no processo de consultas populares e apresentamos propostas muito claras. Para nós, era fundamental ter pessoas de nossa total confiança no governo, e que se tomasse como referência para o setor agropecuário o modelo de agricultura familiar”, explicou Lara.
De acordo com a CONFRAS, os resultados foram rápidos. “O Estado deixou de comprar sementes importadas das grandes empresas nacionais e internacionais, e estimulou as cooperativas, para que começassem a produzir sementes certificadas de feijão, milho e sorgo. Depois de um processo de validação, essas sementes são distribuídas em “pacotes agrícolas” aos camponeses para reativar a produção de alimentos no território nacional.
Esse novo modelo distribuiu anualmente pacotes agrícolas a uma média de 350 mil pequenos produtores individuais em estado de pobreza extrema, dando também assistência técnica e acompanhamento por meio do CENTA (Centro Nacional de Tecnologia Agropecuária e Florestal).
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Além disso, por meio do Banco de Fomento Agropecuário, incentivou-se o fornecimento de crédito a uma taxa baixa de juros para a pequena e média empresa agropecuária. Também promoveu-se a cadeia produtiva, envolvendo no projeto governamental cooperativas, ou produtores individuais que não estão em situação de pobreza extrema, acompanhando-os até a comercialização do produto.
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Soberania alimentar
Dados do MAG (Ministério da Agricultura e Pecuária, por sua sigla em espanhol) evidenciam que, com esse modelo, El Salvador conseguiu reduzir sensivelmente e estabilizar os preços dos grãos básicos, ao mesmo tempo em que pôde satisfazer a demanda interna de feijão e sorgo, e está a ponto de fazer o mesmo com o milho.
Além disso, o esforço em promover o modelo cooperativo agropecuário permitiu o fortalecimento das cooperativas já existentes e a criação de novas (+24%, de 2009 até o momento), com ênfase particular no envolvimento de mulheres e jovens. A situação é diferente no caso do arroz, cuja demanda interna segue dependendo em grande parte da importação dos Estados Unidos, controlada por empresas do ex-presidente Alfredo Cristiani (que governou entre 1989-1994).
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“Agora é o momento de aprofundar essas mudanças. Precisamos que o Estado aposte no modelo cooperativo, na produção associativa e coletiva sustentável, e que tenha uma maior presença no setor de importação e exportação de alimentos, que ainda está nas mãos de umas poucas grandes empresas”, detalhou Miguel Alemán, presidente honorário da CONFRAS.
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Alemán: “precisamos que o Estado aposte no modelo cooperativo, na produção associativa e coletiva sustentável”
Segundo ele, a compra de grãos básicos de pequenos e médios produtores deve aumentar, com o objetivo de armazená-los e assim poder combater qualquer crise alimentar. O governo que for eleito em 2 de fevereiro deverá também promover a implementação da agroecologia, e aprofundar a entrega das escrituras a famílias camponesas. “Já foram entregues 45 mil escrituras ‘como bem de família’ e estamos confiantes que esse processo vai continuar. Necessitamos avançar com as mudanças”, disse.
Enquanto isso, o setor camponês pede a contratação de mais técnicos e engenheiros agrônomos, que continue e se intensifique o crédito agrícola para os pequenos produtores, e que se reduza o déficit de produção de arroz e de milho amarelo, para depender menos do exterior.
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Além disso, que a estrutura para o armazenamento de grãos básicos seja multiplicada, que se invista na transformação e no processamento de alimentos, setor que ainda é controlado totalmente pelas grandes empresas nacionais e transacionais, e que se aprove a Lei de Soberania Alimentar, cujo anteprojeto foi boicotado no Parlamento pelas bancadas de oposição.
“Precisamos que El Salvador seja capaz de produzir sua própria comida. Apesar de, nos últimos anos, termos conseguido baixar nossa dependência do exterior, ainda tempos um forte déficit na produção de arroz, milho amarelo, hortaliças, frutas e lácteos. Em muitos casos, é o efeito nefasto do CAFTA”, explicou Ricardo Ramírez, diretor da CONFRAS.
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Para Ramírez, da CONFRAS (órgão responsável pela reforma agrária) o país precisa ser “capaz de produzir a própria comida”
Finalmente, é vista como imprescindível a criação de um poder popular. “Somente com um governo enraizado na população será possível promover mudanças fundamentais, que tenham a ver com a revisão dos acordos comerciais assinados por El Salvador, tal como o CAFTA, o Tratado de Livre Comércio entre México, Guatemala, Honduras e El Salvador e o Acordo de Associação entre a União Europeia e a América Central, assim como a Lei de Associação Público-Privada”, disse.
ALBA Alimentos
A ALBA Petróleo de El Salvador é uma empresa de economia mista que nasce para incorporar ao país a aliança Petrocaribe. Frente à resistência em incorporar El Salvador ao acordo como Estado, forma-se a Associação Intermunicipal ENEPASA (Energia para El Salvador), para atuar como equivalente.
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Entre os projetos com visão social promovidos por essa entidade, destaca-se a ALBA Alimentos, de El Salvador. “Esse projeto deu crédito aos produtores individuais e organizados, entregou pacotes tecnológicos para o plantio de grãos básicos e garantiu a comercialização, assinando contratos com as grandes cadeias corporativas para a venda da produção”, relatou o presidente da CONFRAS.
Além disso, a ALBA Alimentou tem a tarefa de comprar a produção de grãos básicos a um preço justo; tem fornecido capacitação técnica e comercial para os produtores; e tem apoiado o programa governamental Copo de Leite Escolar.
No ano passado, inaugurou a primeira planta de biofertilizantes do país, com a qual se espera reduzir a dependência e o alto consumo de agrotóxicos na produção de grãos básicos. Também foi instalada uma planta processadora de trigo, arroz e milho, quebrando o oligopólio que existe nesse setor.
“O projeto foi muito questionado e teve de enfrentar a oposição dos grandes empresários. Pela primeira vez, em El Salvador, há alguém que compete com eles e que lhes faz contrapeso. Esperamos poder avançar e, de maneira gradual, deixar de depender das decisões de uns poucos grupos econômicos que causaram tanto dano ao país”, concluiu Ramírez.