Atualizada às 22h25
“Após 100 anos, o genocídio armênio ainda permanece vivo. Isto, porque sucessivos governos da Turquia se recusam a reconhecer que de fato, o que houve em 1915, foi um ‘genocídio’”, afirmou, nesta sexta-feira (24/04) o petista Lindbergh Farias em discurso no Senado.
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O político também pediu um minuto de silêncio em memória de 1,5 milhão de pessoas que morreram, vítimas do massacre promovido pela Turquia, e ressaltou a importância de que a comunidade internacional reconheça a matança como sendo um genocídio, mesmo à revelia de Ancara.
“Se não houve genocídio, onde estão os outros três quartos, ou cerca de 1,5 milhões de armênios que viviam na região?”, questiona Lindenberg.
No centenário do fato, a principal reivindicação da nação armênia ainda é o reconhecimento da comunidade internacional de que o crime foi planejado e de que, portanto, constitui um genocídio por ter como objetivo a eliminação de um povo.
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O Brasil é um dos países que não reconhecem o fato como tal. Neste sentido, Lindenberg elogiou a posição dos estados brasileiros de São Paulo, Paraná, Ceará, e as cidades de São Paulo, Campinas, Osasco, Fortaleza e São José do Rio Preto, que consideram oficialmente o genocídio armênio.
Agência Efe
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“O dia de hoje nos provoca a refletir sobre a história e a importância do direito à verdade e à memória, de forma que eventos como o do genocídio armênio, ou tantos outros que afligiram a comunidade internacional jamais sejam esquecidos, para que jamais voltem a ocorrer”, ressaltou o político.
A ação da Turquia contra os armênios é considerado por 20 países como sendo o primeiro genocídio do século 21. Isso porque consideram que foi um procedimento sistemático para exterminar o povo armênio.
Confira a íntegra do discurso:
Senhor Presidente,
Senhoras e Senhores Senadores,
Senhoras e Senhores que nos assistem pela TV Senado e pela Rádio Senado,
Público Presente,
Em 1935 o dramaturgo e escritor William Saroyan, um americano filho de imigrantes armênios, registrou que “gostaria de ver qualquer força deste mundo destruir esta raça, esta pequena tribo de pessoas sem importância, cujas guerras foram todas lutadas e perdidas, cujas estruturas foram todas destruídas, cuja literatura não foi lida, a música não foi ouvida, e as preces já não são todas atendidas. Vá em frente, destrua a Armênia. Veja se consegue. Mande-os para o deserto sem pão ou água. Queimem suas casas e igrejas. Daí veja se eles não vão rir, cantar e rezar novamente! Quando dois armênios se encontrarem novamente em qualquer lugar do mundo, veja se eles não vão criar uma nova Armênia”.
Muito tempo se passou desde o início dos eventos descritos por este filho de imigrantes armênios. Para ser mais preciso, um século hoje!
Senhoras e Senhores Senadores,
Eu subo hoje nesta tribuna para prestar minhas considerações ao Genocídio Armênio ocorrido em 1915. Um evento compreendido por muitos, porém infelizmente reconhecido por poucos, como o primeiro genocídio do século XX.
A luta pelo reconhecimento do genocídio é um tema presente permanentemente na comunidade armênia internacional. Digo internacional pois a grande maioria dos armênios no mundo hoje vive fora da Armênia. No Brasil, imigrantes armênios chegaram entre 1920 e 1930, portanto admiro a persistência destes brasileiros e brasileiras em continuar lutando para que o genocídio armênio seja reconhecido e finalmente saia do vale das sombras.
Nas semanas que anteciparam o centenário do genocídio, parlamentos e lideranças do mundo todo discutiram o tema. Alguns até mesmo incorporando esta tão evitada palavra que se inicia com a letra “G” (genocídio) aos seus livros de história. A minha intenção aqui, mesmo que de forma modesta, é contribuir com estas manifestações de solidariedade a um povo que também contribuiu com a formação da nação que somos hoje. Afinal, o nosso país tem mais de 40 mil brasileiros e brasileiras de origem armênia. E mesmo não sendo de descendência armênia, arrisco dizer que os eventos de 1915 permanecem nos seus pensamentos como uma ferida ainda não cicatrizada que vem passando de geração para geração.
O dia 24 de abril marca a data em que mais de 800 intelectuais armênios foram presos, deportados e assassinados na antiga Constantinopla, atual Istambul, capital da Turquia. Esta complexa e triste trajetória, que soma-se ao início da Primeira Guerra Mundial, é marcada pela morte de mais de 1,5 milhões de homens, mulheres, crianças e idosos armênios pelo Império Turco Otomano em 1915.
Diplomatas estrangeiros na época observaram e documentaram os eventos que ocasionaram o genocídio. Em junho de 1915, o embaixador dos Estados Unidos na Turquia, Henry Morgenthau, advertiu que “uma campanha de extermínio racial estava em andamento” na qual “detenções e deportações em larga escala de armênios, muitas vezes acompanhadas por episódios de violências de diversas naturezas, estavam se tornando um massacre”.
O cenário mundial sofreu muitas transformações a partir de 1918 com o fim da Primeira Guerra Mundial. O fim deste triste capítulo da nossa história, marcada pela derrota do Império Otomano, aliado à Alemanha, possibilitou a independência da Armênia no dia 28 deste mesmo ano, em decorrência de um Tratado de Paz que reconheceu a soberania armênia.
Após 100 anos, o genocídio armênio ainda permanece vivo. Isto, porque sucessivos governos da Turquia se recusam a reconhecer que de fato, o que houve em 1915, foi um “genocídio”. De acordo com líderes turcos, tais mortes foram consequência de uma guerra civil e não o resultado de um plano institucionalmente sistematizado. Porém, a pergunta quase-eterna ainda permanece: Se não houve genocídio, onde estão os outros três quartos, ou cerca de 1,5 milhões de armênios que viviam na região?
De fato, a história mostra que o tema é complexo. Esta semana, lendo sobre os relatos de pessoas que estiveram presentes na região encontrei a história curiosa de um venezuelano que lutou no exercito Otomano naquele período. Em seus testemunhos, registrados no livro “Quatro anos sob a meia lua”, Rafael Méndez diz que:
“Apesar do tiroteio que varria as ruas, eu consegui finalmente abordar o alcaide, que comandava a orgia, para ordenar o fim imediato das matanças… quando este, para minha surpresa disse que ele só estava obedecendo a uma ordem por escrito do governador geral da província … de exterminar todos os homens armênios, acima de 12 anos de idade.”
Atualmente na Turquia, nem todos defendem a versão do Governo turco. Muitos lutam pela causa armênia. Aliás, casos de perseguição contra ativistas e intelectuais são de conhecimento público. O escritor Orhan Pamuk por exemplo, que reconheceu em público o genocídio armênio, foi solicitado a se retratar por insultar a Turquia.
No ano passado, o primeiro-ministro turco, Erdogan, reconheceu de maneira inédita a “desumanidade” da tragédia de 1915, atitude não antecipada por muitos, porém ainda tímida para tantos, já que em nenhum momento houvera o reconhecimento do genocídio. E aqui, gostaria de registrar que esta tragédia continuará representando um passivo histórico da humanidade caso não reconhecida. Afinal, não se modifica a história por meio de sua negação.
Internacionalmente, o genocídio armênio, o segundo mais estudado da história, foi reconhecido apenas por aproximadamente 20 países, ilustrando assim certa conivência da comunidade internacional diante do tema. Como membro do Parlamento do Mercosul, o Parlasul, fiquei admirado ao saber da postura madura desta instituição que reconheceu o genocídio armênio em 2007. Argentina, Chile, Uruguai, Venezuela, Alemanha, Canada, Itália, Suíça, Bélgica, Holanda, Suécia e o Vaticano já incorporaram a palavra “genocídio” nos seus livros de história internacional referentes à Armênia. Inclusive, na Suíça e na Grécia, é crime negar o genocídio armênio.
Carlos Latuff/ Opera Mundi
Há alguns dias, o Papa Francisco reconheceu publicamente o genocídio armênio, sugerindo que a “humanidade parece incapaz de pôr fim ao derramamento de sangue inocente”. Segundo a sua santidade, “parece que a família humana tem se recusado a aprender com seus erros causados pela lei do terror, de modo que hoje, também há aqueles que tentam eliminar os outros com ajuda de alguns, e com o silêncio cúmplice de outros que simplesmente observam”. Atitude essa que sofreu retaliações verbais firmes de Ankara.
Outra liderança que embora tenha reconhecido o genocídio no passado, porém evitado utilizar o termo após se tornar presidente, foi Barack Obama, contrariando até mesmo uma certa pressão do seu Congresso Nacional. Afinal, os Estados Unidos possuem a maior população de descendentes armênios no mundo.
O Reino Unido passou por um grande constrangimento em 1999 quando documentos do Ministério das Relações Exteriores foram vazados em que declaravam que a Turquia continuava defensiva quanto um possível reconhecimento do genocídio e que, portanto, a única opção viável seria a de continuar a recusar-se de reconhecer as mortes como “genocídio” diante da importância de suas relações políticas, estratégicas e comerciais com a Turquia.
Um passo importante foi tomado no dia de ontem quando o Presidente da Alemanha, Gauck, reconheceu que “o destino dos armênios se destaca como exemplar na história de extermínios em massa, limpeza étnica, deportações, e sim, genocídio, que marcou o século XX de maneira tão terrível”. Gauck ainda reconheceu que os alemães também tiveram responsabilidade, e em alguns casos cumplicidade” no genocídio armênio, já que a Alemanha foi aliada do Império Otomano durante a Primeira Guerra Mundial. Esta atitude, tão madura, é significativa já que a Alemanha possui a maior população de imigrantes turcos da Europa.
Outro evento marcante, que amplia a musculatura da causa armênia é o posicionamento do Parlamento Europeu, que reconhece o genocídio. Isso porque a Turquia tenta constantemente se incorporar a União Europeia, sugerindo portanto, que o custo de manter um posicionamento de não reconhecimento do genocídio armênio possa dificultar ainda mais sua filiação ao bloco europeu.
Apesar do número alto de países que não reconhecem oficialmente o Genocídio Armênio, achei muito interessante o fato de que muitos estados e municípios ao redor do mundo o reconhecem. Aqui no Brasil o Estado de São Paulo é um dos exemplos brasileiros, assim como os Estados do Paraná, Ceará, e as cidades de São Paulo, Campinas, Osasco, Fortaleza e São José do Rio Preto.
Senhoras e Senhores Senadores,
O dia de hoje nos provoca a refletir sobre a história e a importância do direito à verdade e à memória, de forma que eventos como o do genocídio armênio, ou tantos outros que afligiram a comunidade internacional jamais sejam esquecidos, para que jamais voltem a ocorrer.
Digo isso, porque uma reflexão sobre o passado, nos oferece subsídios para pensar sobre o futuro. Sobre o projeto que queremos como cidadãos, como parlamentares, e por que não como membros de uma comunidade mais ampla, que inclui pessoas do mundo todo? Como disse há pouco, reconhecer eventos passados não muda a história, porém certamente contribui para a construção de um futuro mais fraterno, solidário e promissor.