Em Honduras, as comunidades e movimentos sociais estão lutando contra a privatização e a exploração estrangeira depois da presidente hondurenho, Xiomara Castro, e o Congresso terem revogado uma lei que estabeleceu as chamadas Zonas de Desenvolvimento Econômico e Emprego, onde as empresas privadas têm “autonomia funcional e administrativa” do governo nacional.
Agora, uma empresa sediada em Delaware chamada Próspera abriu um processo para contestar a revogação da lei no âmbito do Acordo de Livre Comércio República Dominicana-América Central-Estados Unidos e está exigindo quase US$ 11 bilhões de dólares, este é um exemplo dos direitos dos investidores deste acordo comercial internacional que se opõe diretamente à soberania hondurenha.
Em Crawfish Rock, a área diretamente impactada pela Próspera ZEDE na ilha de Roatán, tem provocado inúmeros transtornos pela perda de controle da comunidade sobre o seu próprio território. Empreendimentos como este, não levaram em conta a população nativa e foi feito sem consentimento dos cidadãos hondurenhos.
Em maio de 2023, a senadora democrata Elizabeth Warren e outras 32 pessoas no Congresso dos EUA divulgaram uma carta apelando à intervenção do governo Joe Biden, citando: “As grandes corporações transformaram, e continuam a transformar, em armas, este regime de resolução de litígios defeituoso e antidemocrático para beneficiar os seus próprios interesses às custas dos trabalhadores, consumidores e pequenas empresas em todo o mundo”.
Após o golpe de Estado em 2009, Honduras aderiu este projeto radical para criar estas ZEDEs, que a grosso modo são cidades privadas, onde as empresas norte-americanas podem entrar e controlar o território. O território foi retirado das jurisdições municipais e, então, assumiram o poder, como corporação, de definir seus próprios padrões regulatórios, política tributária, forças de segurança, ter seu próprio sistema judiciário separado e, basicamente, administrar seus próprios governos, ferindo a soberania nacional de Honduras.
No caso de Roatán, a Próspera, entrou e estabeleceu esta zona privada onde a estrutura de governo não permite a democracia representativa das pessoas da comunidade autóctone. O projeto começou de maneira não transparente, e quando as pessoas compreenderam o que isto significava em termos de retirada da soberania hondurenha e de retirada de terras às comunidades, houve uma série de protestos massivos. Os povos indígenas, as organizações comunitárias e até a maior associação empresarial de Honduras opuseram-se a esta lei.
E assim, através do processo democrático, felizmente, conseguiram derrubar esta lei em questão. E esse realmente deveria ser o fim da história, mas o acordo comercial que capacita as empresas a serem capazes de desafiar as políticas democráticas.
A retaliação jurídica que a Próspera quer impor à Honduras, com a exigência de 11 bilhões de dólares, equivaleria a abrir um rombo aos cofres públicos do pequeno país.
Foto de Inti Ocon
Manifestante em protesto contra os planos da criação de uma cidade-estado numa ilha em Honduras
Honduras Próspera é uma empresa norte-americana fundada por um grupo de liberais radicais, apoiados pelo bilionário Peter Thiel e pelo ex-economista-chefe do Banco Mundial, Paul Romer. A ideia do grupo era estabelecer um governo privado na ilha hondurenha de Roatán, permitindo-lhes implementar uma utopia libertária de ‘mercado livre’ – cujo sucesso, esperavam, iria minar o poder estatal.
As ZEE existem em todas as formas e tamanhos, mas baseiam-se numa lógica semelhante. Os governos criam áreas quase autônomas dentro dos estados que governam, capazes de implementar políticas fiscais e regulatórias diferentes das que se aplicam no resto do país. Os governos muitas vezes dividem a sua soberania desta forma, na esperança de que isso atraia investimento estrangeiro e crie empregos, ao mesmo tempo que preserva os impostos e a regulamentação existentes no resto da economia.
Mas, para bilionários como Thiel, o apelo da ZEE é diferente. Se as ZEE pudessem ser estabelecidas em todo o mundo, com impostos baixos e regulamentação favorável às empresas, o investimento poderia ser sugado dos estados social-democratas para esses ‘’paraísos’’ de livre mercado sem regulamentação estatal. O plano é, em outras palavras, uma poderosa ferramenta de coerção que pode ser usada para forçar os Estados a adotarem políticas neoliberais aos gostos econômicos de empresários.
Em 2021, os hondurenhos elegeram Xiomara Castro a primeira mulher presidente do país. Castro foi a candidata do partido de esquerda Libre e fez uma campanha comprometendo-se a combater a corrupção do tipo que assolou anteriores governos de direita e a promover o desenvolvimento inclusivo. Castro manteve a sua promessa de revogar as leis ZEDE que permitiram a Honduras Próspera estabelecer a sua ‘cidade-estado privada’ na ilha de Roatán. O Congresso concordou por unanimidade que as ZEDE representavam uma violação da soberania de Honduras.
E a empresa Honduras Próspera lançou um processo ISDS de 11 bi de dólares contra o governo das Honduras, alegando que a sua revogação das leis ZEDE violava os termos dos tratados internacionais existentes. Esse montante, US$ 11 bilhões, representa cerca de dois terços do orçamento anual do governo hondurenho. O caso de Honduras Próspera foi veementemente condenado em todo o mundo. A revista norte-americana The Atlantic descreveu o caso como “neocolonial”.
Apesar deste escândalo, o caso não chegou às manchetes internacionais. Com o sistema ISDS tão manipulado a favor das nações ricas e das corporações poderosas, o governo de Castro enfrenta um caminho difícil pela frente. Neste contexto, a rede política global Progressive International (PI) lançou uma campanha para apoiar o governo hondurenho na sua luta contra a Próspera. A PI enviou uma delegação a Honduras para consultar o governo e lançar a sua campanha Honduras Resiste contra as leis ZEDEs e o caso ISDS.
Após consultas com o governo, especialistas, cidadãos e organizações da sociedade civil, a PI denunciou as ZEDEs como uma forma de “colonialismo corporativo” e condenou o caso ISDS de Honduras Próspera.