A Hungria libertou mais de 1,4 mil contrabandistas de migrantes desde o final de abril, de acordo com dados oficiais obtidos nesta quarta-feira (23/08) pela RFI. A medida de retaliação contra a política migratória de Bruxelas teria como justificativa a superlotação nas prisões.
Com toda a discrição, sem avisar seu vizinho austríaco, o governo húngaro assinou um decreto em abril passado autorizando a polícia a libertar os “coiotes”, como são chamados os organizadores de travessias ilegais, com a condição de que eles abandonassem o país no prazo de 72 horas.
As autoridades húngaras tinham prometido, a princípio, libertar um máximo de 800 prisioneiros, dos cerca de 2,6 mil traficantes detidos atualmente no país, mas “até a data [de hoje], libertamos 1.468 detidos de nacionalidade estrangeira condenados por tráfico de seres humanos”, indica a Administração Penitenciária. A maioria dos recém-libertos, no entanto, tomou o caminho para a Áustria, o que provocou o descontentamento de Viena.
Estes traficantes vêm de todo o mundo, mas a maioria dos prisioneiros são de países vizinhos ou muito próximos, como Romênia, Sérvia, Bulgária, Albânia e Ucrânia. Eles foram condenados por ajudar imigrantes ilegais a atravessarem a fronteira, crime cuja pena prevista na lei húngara é de até dez anos de prisão.
O incidente obrigou a Áustria a reforçar seus controles fronteiriços e a convocar o embaixador húngaro em Viena, quando então tomou conhecimento dos planos do país vizinho.
Queda de braço
A Comissão Europeia, por sua vez, também se posicionou sobre a questão e iniciou processos por infração contra a Hungria em meados de julho. A instituição considera que não estão previstas na medida do Governo húngaro disposições que garantam que os detidos libertados cumpram adequadamente sua pena de prisão quando se encontram fora da Hungria. Uma notificação formal foi enviada a Budapeste, que tem dois meses para responder.
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Crime de tráfico humano tem pena prevista na lei húngara é de até dez anos de prisão
Habituado à queda de braço com a União Europeia, principalmente em assuntos relativos à política migratória, o governo de Viktor Orban afirmou ter tomado esta decisão “porque Bruxelas não contribui financeiramente para a proteção das fronteiras”.
Embora “desafiemos os contrabandistas” que vêm lotar nossas prisões, “a UE não paga à Hungria qualquer valor para assumir os custos de detenção ou construção” de novos estabelecimentos, argumentou o vice-ministro do Interior, Bence Returnvari.
Com isso, o objetivo destas liberações seria limitar “o custo para os contribuintes húngaros”. Sob a égide de Orban, a Hungria optou por uma linha dura contra a imigração ilegal, uma política que lhe rendeu diversas condenações do Tribunal de Justiça da UE.
Cercas e pedidos de asilo
Manter estes contrabandistas na prisão seria muito caro, sem qualquer ajuda de outros países da Europa, justifica o Governo húngaro, que destaca que os detidos já estavam quase terminando o cumprimento de suas penas, e que as prisões estão superlotadas.
A Hungria tem, atualmente, o dobro do número de reclusos por habitante que a média europeia. Antes da medida de libertação de detentos, os traficantes de seres humanos representavam 13% da população carcerária da Hungria.
Para limitar o número de passagens ilegais, a Hungria construiu cercas ao longo de suas fronteiras externas. Budapeste também restringiu o atendimento a pedidos de asilo em suas embaixadas no exterior, ao mesmo tempo que endureceu as penas para os contrabandistas.