No mundo encantado de Giorgia Meloni, deputada de 45 anos e líder do partido neofacista Irmãos da Itália, é mais importante defender as fronteiras do que os direitos civis, dos imigrantes, da população LGBTQIA+, desempregados, entre outros que estão, para ela, em segundo plano e na mira da ultradireitista que pode se tornar a próxima premiê italiana.
Neste domingo (25/09), a Itália volta às urnas em uma eleição antecipada para escolher um novo governo e seu novo primeiro-ministro. A hipotética vitória de Meloni pode representar um perigo para a democracia do país.
Paradoxalmente, ela pode se tornar a primeira mulher a ocupar o cargo – o que seria um vitória histórica – ao mesmo tempo ser a responsável pelo retorno da assombração do fascismo em veste pós moderna.
Desde a fundação, em 2012, os Irmãos da Itália nunca esteve tão perto de assumir o poder. Se em 2018, ano das últimas eleições, a legenda tinha somente 4,6% dos votos, neste ano as intenções de votos dispararam: os resultados da última pesquisa publicada dia 9 de setembro pelo instituto Ipsos – na Itália é proibido divulgar sondagens nos últimos 15 dias que antecedem a eleição – mostram o partido de Meloni com 25%, seguido do Partido Democrático, com 20%.
Somando com os votos dos partidos de direita e ultra direita – Força Itália, partido de Silvio Berlusconi, e Liga Norte, de Matteo Salvini, respectivamente – Meloni chega a pelo menos 40% dos votos, número suficiente para governar o país.
O fascismo eterno
A italiana lançou a candidatura com o slogan ultradireitista “a Itália e os italianos em primeiro lugar” – que lembra aquele usado pelo presidente brasileiro Jair Bolsonaro: “Brasil acima de tudo”.
Os valores que regem a vida política de ambos são os mesmos e permanecem inextinguíveis: Deus, Pátria e família. É o fascismo eterno, descrito por Umberto Eco durante uma conferência realizada na Columbia University, em 1995. A essência fascista que perdura no tempo e se transforma adquirindo novas vestes autoritárias.
Loira, pequena de estatura e com cara de brava, ela grita durante os comícios: “eu sou Giorgia, sou mulher, sou mãe, sou cristã!”. As mensagens anti-lgbtqia+ e pró família, que resumem sua campanha, ganharam uma roupa nova com o vídeo “Io sono Giorgia”, um remix da italiana gritando que foi exibido mais de 12 milhões de vezes e acabou virando meme nas redes.
A relação de Meloni com o fascismo não é uma novidade. Nos primórdios 2006, a italiana, que naqueles anos exercia o cargo de vice-presidente da Câmara dos deputados, chegou a declarar que havia uma relação tranquila com o fascismo pois “fazia parte da história nacional”, afirmando ainda que o líder fascista Benito Mussolini “era um personagem que precisava ser historicizado”.
Reprodução/ @GiorgiaMeloni
Meloni é apoiada pelas legendas Força Itália, partido de Silvio Berlusconi, e Liga Norte, de Matteo Salvini
Até o símbolo escolhido para representar seu partido é a chama tricolor, a mesma que arde no túmulo do Duce. Aliás, a legenda nasceu do Movimento Social Italiano (Msi), que foi fundado por Giorgio Almirante, ex-ministro de Mussolini. Para Meloni, o ex-ministro “foi um dos homens mais extraordinários que atravessaram a história da Itália republicana”. “Foi líder de várias gerações, o pai político, um homem que lutou contra o ódio, cujos escritos, ainda hoje, são atuais”, disse.
Para os que duvidam sobre a influência fascista dos Irmãos da Itália, o próprio Almirante uma vez disse em um programa de televisão que “não há nada que acabe, tudo continua”.
Mas, agora, em plena ascensão e com a vitória que bate na porta, a palavra de ordem no partido é condenar todas as formas de autoritarismo e extremismo, equiparando o nazismo ao comunismo. A italiana deu ordens, inclusive, para que a base partidária não fizesse a saudação romana – o braço direito estendido para o alto – tanto em voga entre alguns dos candidatos da legenda.
Meloni declarou que não há espaço para racismo e antissemitismo no seu partido, mas a sua política contra a imigração diz o contrário. Ela despreza os que arriscam a vida atravessando o mar Mediterrâneo em barcos para escapar de guerras e da fome. Sua política imigratória é tão xenófoba que chegou a dizer que, se a Itália precisa de imigrantes, que então os vá buscar na Venezuela, pois muitos dos venezuelanos têm raízes na Itália.
Orban, o queridinho da direita italiana
Para entender em que rumo a Itália poderá andar caso Meloni governe o país, basta ver a admiração que ela e Salvini tem pelo primeiro-ministro da Hungria, o nacionalista e ultraconservador Viktor Orbán.
Por ter violado os direitos das minorias, a independência do Judiciário, a autonomia e a liberdade dos meios de comunicação e ter transformado seu país em um regime híbrido de autocracia eleitoral, o Parlamento Europeu, em uma votação em setembro, definiu que a Hungria “não pode mais ser considerada uma democracia plena”.
A resolução foi apoiada por 81% dos deputados presentes. A coalizão de centro-direita se dividiu na votação de Orban. No entanto, uma ala votou contra a resolução. Agora quem votou contra? Os Irmãos da Itália e da Liga, compactos em seus grupos dos Conservadores e Reformistas Europeus (CRE) e Democratas Liberais (LD).
Meloni comentou a escolha: “Orban ganhou as eleições, a Hungria é um sistema democrático”. Mas bastam as eleições para criar uma democracia e garantir as liberdades? Voltando a Umberto Eco, o escritor afirmava que o “fascismo eterno ainda está entre nós, muitas vezes usando roupas civis”.