A Marcha Global por Justiça Climática irrompeu o silêncio inabitual que tem marcado a Conferência das Nações Unidas sobre as Mudanças do Clima (COP28), em Dubai, por conta das restrições impostas a protestos pelos Emirados Árabes Unidos. A maior manifestação do evento reuniu milhares de pessoas neste sábado (09/12) nos corredores do centro de conferências, onde estão reunidos representantes de 195 países.
Pelo segundo ano consecutivo, depois do Egito em 2022, o protesto em massa organizado pela sociedade civil e ONGs ambientalistas – uma tradição das COPs – se restringe aos espaços da conferência. Manifestações nas ruas, como as que mobilizaram dezenas de milhares de pessoas em Glasgow, em 2021, ou em Copenhague, em 2009, são proibidas pelo país que hospeda da conferência, os Emirados Árabes Unidos – seja pelo clima ou por qualquer outra causa.
Nesta tarde, data marcada para a mobilização, os emiradenses eram vistos à margem da marcha organizada pelas ONGs, porém se limitavam a filmar o ato, sem participar.
“Esta é a primeira COP, mas nós sentimos desde a chegada no país que havia opressão”, aponta a quilombola brasileira Valesca. “Protestar pelo clima não é uma escolha para mim: é uma questão de sobrevivência. Estou demonstrando o meu descontentamento com as políticas ambientais, que não incluem a emergência climática e isso afeta a minha existência”.
Melancias no protesto
Os manifestantes podiam gritar palavras de ordem, mas sem nomear nenhum país, dirigente, projeto ou empresa específicos. Também não podiam levar bandeiras de nenhum país em sinal de apoio, como a da Palestina ou das pequenas ilhas do Pacífico, considerados territórios mais vulneráveis às mudanças do clima.
Muitos contornaram as regras com ironia, representando as cores palestinas – verde, vermelho, preto e branco – com desenhos de melancias. No cortejo, entoaram “Cessar-fogo já! Fim da ocupação”, intercalando com frases como “justiça climática já”.
Resolute Reader/Twitter
Manifestantes podiam gritar palavras de ordem, mas sem nomear nenhum país, dirigente, projeto ou empresa específicos
“O que eles estão discutindo lá dentro são ameaças aos territórios da Amazônia. Nós sobrevivemos há séculos nos nossos territórios tradicionais e precisamos deles livres de exploração”, disse o manifestante brasileiro José Luís, a respeito dos projetos do governo do Brasil de abrir novas frentes de petróleo na margem equatorial do país.
“Nós não temos espaço para participar das negociações das COPs, sendo que somos quem vive na Amazônia e protegem o seu território”, complementou ele, que veio de Salvaterra, território quilombola na Ilha do Marajó, em Belém do Pará.
Regras rígidas
Desde o começo da conferência, os ativistas puderam organizar manifestações, mas sob uma série de condições: precisam de autorização prévia e são limitadas a 25 minutos – cronometrados pelos agentes de segurança das Nações Unidas, que enquadram os protestos. Os atos só podem ocorrer na área da entrada da blue zone, administrada pela ONU e onde acontecem as negociações. Deste modo, apenas os participantes credenciados para a COP28 podem ter acesso.
Além disso, os protestos só foram autorizados a partir do quarto dia de conferência, após a partida dos presidentes e chefes de governo da COP28. “Sem dúvida é uma COP mais silenciosa do que de costume, mas nem por isso vamos deixar de demonstrar a nossa insatisfação”, disse Matthew, da organização Worker Justice Now.
Do lado de fora da COP28 – espaço gerenciado pela ONU –, qualquer manifestação é alvo de repressão e os seus organizadores, sujeitos à prisão.
A liberdade de expressão também atinge a imprensa: os jornalistas estão proibidos de filmar no país além dos limites da conferência. Para realizar reportagens na cidade, é preciso pedir autorização prévia das autoridades. O processo leva dias e exige explicações sobre data, local, tempo e identidade das pessoas que serão filmadas.