Espantoso o artigo mais recente de Cláudio Lottenberg, presidente da CONIB (Confederação Israelita do Brasil), publicado pelo UOL. Algum desavisado que se contentasse em bater os olhos somente no título, “A verdade sobre o genocídio”, poderia chegar à conclusão que o representante sionista estava pronto para uma análise crítica dos crimes contra a humanidade cometidos por Israel. Trata-se, no entanto, de tosca manipulação para justificar o massacre contra os palestinos da Faixa de Gaza.
O autor sequer cita as quase vinte mil mortes provocadas pelos ataques israelenses em apenas sessenta dias, na imensa maioria civis, especialmente crianças e mulheres. Quase um por cento da população local foi liquidada pelo Estado sionista, a sangue frio, mas esse fato é simplesmente ignorado no texto desse senhor.
Tudo o que está acontecendo seria responsabilidade do Hamas, como se o conflito tivesse emergido subitamente no dia 7 de outubro.
Nenhuma palavra sobre a ocupação ilegal de todos territórios palestinos, submetidos a um regime colonial desde 1967, em aberta violação ao direito internacional e a resoluções das Nações Unidas.
Nada sobre a burla dos Acordos de Oslo, com a expansão de assentamentos judaicos, com mais de 700 mil colonos, em áreas da Cisjordânia e de Jerusalém supostamente destinadas a um futuro Estado palestino.
Silêncio absoluto sobre a Faixa de Gaza estar bloqueada e cercada desde 2007, com seu povo submetido a ondas incessantes de repressão e brutalidade, com milhares de inocentes assassinados antes dos acontecimentos de outubro. Apenas entre julho e agosto de 2014, a título ilustrativo, mais de dois mil civis palestinos perderam a vida graças a bombardeios israelenses sobre o maior campo de concentração a céu aberto do planeta.
Até mesmo historiadores israelenses – como Illan Pappé e Schlomo Sand – admitem que o recurso à limpeza étnica contra palestinos, uma típica prática vinculada ao genocídio, está na origem e no desenvolvimento de Israel, estendendo-se à atualidade. Para esses estudiosos, o objetivo do sionismo sempre foi dominar a Palestina do rio ao mar, por etapas, consolidando um regime de supremacia judaica.
Israel Defense Forces/Twitter
A operação conduzida pelo Hamas foi usada como desculpa para o governo Netanyahu radicalizar sua estratégia
Ao contrário do que afirma Lottenberg, por mais críticas que o Hamas possa merecer, sua ação violenta em 7 de outubro só pode ser compreendida no contexto de autodefesa contra um Estado colonial, a exemplo de como agiu a resistência argelina ou vietnamita contra a colonização francesa. A expansão sionista vinha avançando aceleradamente há mais de vinte anos, misturando manobras e crueldades, tentando enterrar de vez o direito palestino à autodeterminação.
A operação conduzida pelo grupo islâmico foi usada como desculpa para o governo Netanyahu radicalizar sua estratégia, cujas intenções jamais estiveram ocultas: colonização completa, integração forçada e destruição da resistência – por subjugação, expulsão territorial e, se necessário, massificação da morte. O chefe da CONIB pode esbravejar, mas o nome que se dá a isso, no direito internacional, é genocídio.
Acenar com velhos documentos do Hamas, que no passado recente aceitou o reconhecimento do Estado de Israel, representa apenas um truque diversionista banal, incapaz de fazer desaparecer a realidade que o mundo todo acompanha. O regime sionista, fundado sobre uma doutrina etnocêntrica, inevitavelmente racista, em território pertencente a outro povo, sempre foi uma força de ocupação: essa é a raiz do conflito, desde os primórdios.
O sionismo, por sua lógica expansionista, foi se tornando cada vez mais agressivo, com práticas naturalmente comparáveis aos métodos nazistas. A Faixa de Gaza é o Gueto de Varsóvia dos palestinos. Patético e infrutífero Lottenberg recorrer ao espantalho do antissemitismo, utilizando a tragédia judaica para interditar crítica e denúncia aos crimes sionistas.
Para desespero dos tiranetes israelenses e seus áulicos, o Holocausto, cuja memória deveria ser respeitada, está perdendo eficácia como álibi para as barbaridades cometidas por um regime de apartheid e morte.
(*) Breno Altman é jornalista e fundador de Opera Mundi