Dezenas de manifestantes reuniram-se nesta terça-feira (20/02) nas imediações do Tribunal Superior de Londres, no Reino Unido, em apoio ao jornalista e fundador do WikiLeaks, Julian Assange, que aguarda o julgamento do último recurso apresentado pela sua defesa para evitar a sua extradição aos Estados Unidos.
Pessoas com bandeiras australianas e cartazes com as frases como “libertem Julian Assange” e “retirem as acusações” formavam parte do grupo, que entoava gritos como: “há apenas uma decisão, sem extradição” e “Estados Unidos, Reino Unido, libertem Assange”.
O ato contou com um palanque no qual estava presente Stella Assange esposa do jornalista, que agradeceu aos manifestantes e disse: “por favor, continuem presentes, por Julian e por nós, até que ele esteja livre”.
Outra figura destaca que esteve no protesto desta terça-feira é o ex-líder do Partido Trabalhista britânico, Jeremy Corbyn. Em seu discurso, ele disse à multidão que Assange “estava dizendo a verdade sobre o que estava acontecendo no mundo. Ele estava dizendo a verdade sobre os crimes cometidos pelos Estados Unidos no Afeganistão e no Iraque. Ele também estava falando verdade sobre a ganância corporativa e a corrupção”.
A deputada trabalhista Zarah Sultana também marcou presença no protesto. Segundo ela, “Julian está sendo alvo por expor crimes de guerra dos Estados Unidos. Isto não é apenas um ataque a Julian, é um ataque ao jornalismo, à imprensa livre”.
Nascido na Austrália, Assange cumpre pena na prisão de Belmarsh há quase cinco anos. Ele teve sua extradição autorizada pela Justiça britânica em 2022, mas desde então seus advogados vem tentando evitar que isso ocorra.
Os advogados do jornalista também alegam que seu estado de saúde é cada vez mais precária, levando a sua família a afirmar que ele é vítima de um “assassinato em câmara lenta”.
Quem é Julian Assange e o que é o Wikileaks?
Assange é um jornalista e ciberativista que lançou o WikiLeaks em 2006. Seu objetivo era fornecer uma plataforma para que denunciantes anônimos fornecessem informações confidenciais. Alguns viam o WikiLeaks como portal de um jornalismo confiável e transparente, enquanto outros o consideravam perigoso.
Assange recebeu vários prêmios jornalísticos de prestígio nos últimos anos. Os mais proeminentes são o Economist’s New Media Award em 2008 e o Martha Gellhorn Prize for Journalism em 2011. Assange afirmou em entrevista ao jornal alemão Spiegel em 2015:
“O WikiLeaks é uma biblioteca gigantesca dos documentos mais secretos do mundo. Damos asilo a esses documentos, analisamos, divulgamos e obtemos mais. O WikiLeaks tem mais de 10 milhões de documentos e análises associadas agora”.
Em julho de 2010, o WikiLeaks publicou Cablegate, um dos maiores vazamentos na história das Forças Armadas dos EUA, incluindo evidências de crimes de guerra e tortura. Na sequência, Julian Assange viu-se no centro de uma tempestade midiática, acusado de obtenção e divulgação de informações de defesa dos EUA e uma acusação de conspiração com Chelsea Manning para hackear um sistema governamental.
Ele passou os 7 anos seguintes em asilo na embaixada equatoriana em Londres, com medo de ser extraditado para a Suécia de onde ele poderia ser extraditado para os EUA. Em 2019, Assange foi entregue à polícia britânica e, no mesmo dia, os EUA exigiram sua extradição. Hoje, o ativista poderá cumprir prisão perpétua.
As acusações são baseadas em uma lei antiga, a Lei de Espionagem de 1917. O atual pedido de extradição dos EUA para o Reino Unido é baseado na suposta violação dessa lei. A equipe de defesa de Assange argumenta que suas ações não são mais perigosas do que o jornalismo investigativo.
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Centenas de apoiadores segurando cartazes “Libertem Julian Assange” e gritando “só há uma decisão – não extradição”
Que informações Julian Assange supostamente divulgou?
As acusações contra o editor do WikiLeaks centram-se no seu papel na obtenção e publicação de materiais confidenciais, de 2009 a 2011, que foram vazados pela denunciante do Exército dos EUA, Chelsea Manning. As publicações, conhecidas como registros da Guerra do Iraque, Diários do Afeganistão, arquivos da Baía de Guantánamo e telegramas diplomáticos dos EUA, revelaram crimes de guerra, milhares de civis mortos, tortura da CIA, pressão indevida colocada sobre os governos e conspiração para encobrir mortes de civis.
A plataforma utilizada para isso consiste em um local seguro para que vazem documentos que acreditem ser de importância pública ou internacional por revelar algum ilícito civil ou criminal. Em suma, grande parte das nações no mundo tiveram seus segredos revelados pela plataforma em algum momento.
Como ele evitou a extradição para os EUA até agora?
Embora a acusação dos Estados Unidos contra Assange seja um exemplo clássico de crime político, que é tradicionalmente imune à extradição, o juiz rejeitou as reivindicações de liberdade de imprensa de Assange. Em vez disso, concluiu que, dadas as condições das prisões norte-americanas e o estado mental de Assange, a sua extradição colocaria o jornalista em risco de suicídio.
Muitas das garantias dos Estados Unidos tratam do potencial de Assange ser submetido a Medidas Administrativas Especiais (SAMs sigla em inglês) ou ser colocado na Instalação Administrativa Máxima em Florence, Colorado (ADX Florence), uma prisão de segurança máxima que alarmaram o Reino Unido e o juiz distrital tanto que impediram a extradição em 2021. O Centro para os Direitos Constitucionais descreveu os SAM como o “canto mais sombrio do sistema prisional federal dos EUA, combinando a brutalidade e o isolamento das unidades de segurança máxima com restrições adicionais que negam aos indivíduos quase qualquer ligação ao mundo humano”.
O que acontecerá com ele se for extraditado?
Assange provavelmente seria enviado para a ADX Florence. Nesta prisão, os reclusos ficam confinados nas suas celas 23 horas por dia. Nas celas de 2,5 x 3,5 metros, tudo, inclusive os móveis, é feito de concreto. Tal como acontece com os SAM, os Estados Unidos ofereceram garantias sobre o ADX Florence que estão cheias de lacunas. Os Estados Unidos garantem que Assange não seria detido lá após o julgamento, a menos que “após a entrada desta garantia, [Assange] cometesse qualquer ato futuro que significasse que ele passaria no teste para tal designação”.
Mesmo que as garantias sejam mantidas, numa declaração aos tribunais britânicos, o procurador assistente dos EUA, Gordon Kromberg, afirmou que se Assange for levado para os Estados Unidos e sujeito a prisão preventiva, muito provavelmente será detido no Centro de Detenção de Adultos William G. Truesdale Alexandria, em Alexandria, Virgínia. Kromberg afirmou que não há confinamento solitário no Centro de Detenção de Alexandria antes de descrever em detalhes a custódia protetora da prisão e as unidades habitacionais de segregação administrativa. Os presos sob custódia protetora não podem interagir com outros presos. Os presos em segregação administrativa, segundo declaração de Kromberg, são mantidos em suas celas 22 horas por dia.
As Regras Mínimas das Nações Unidas (ONU) para o Tratamento de Prisioneiros (as “Regras de Nelson Mandela”) definem o confinamento solitário como “22 horas ou mais por dia sem contato humano significativo”.
De acordo com as Regras de Mandela, o confinamento solitário superior a quinze dias consecutivos constitui confinamento solitário prolongado. Dois relatores especiais da ONU sobre tortura sublinharam que o confinamento solitário prolongado viola o direito internacional dos direitos humanos e pode equivaler a tortura. Este é o caso quando infligido a prisioneiros como Assange, com problemas de saúde mental pré-existentes.