A França aprovou esta semana, na terça-feira (19/12) uma das leis de imigração mais rigorosas de todos os tempos. O texto foi apoiado por ampla maioria no parlamento com apoio da base do governo Emmanuel Macron, mas também da direita e até da extrema direita. A nova lei dificulta os planos de quem deseja vir morar ou estudar no país, mas também piora muito a vida para os estrangeiros não europeus que já vivem na França com ou sem autorização de residência.
O grupo governista votou principalmente a favor, ao lado do grupo Os Republicanos (direita) e do grupo centrista. Os partidos de esquerda se opuseram. Marine Le Pen, membro do partido de extrema direita Reunião Nacional (RN), que concorreu com Macron nas últimas eleições presidenciais francesas, declarou que a lei é, para ela, uma “vitória ideológica”.
Lei mais rígida
A polêmica lei de imigração que dividiu o país é combatida pela esquerda, pela sociedade civil e por associações humanitárias. Em entrevista à RFI, Glauber Sezerino, coordenador do Observatório da Democracia Brasileira na associação Autres Brésils em Paris e chefe da Unidade de Mobilização e Análise do Crid (Centro de Pesquisa e Informação para o Desenvolvimento), acredita que as novas medidas “destroem direitos fundamentais que existiam na França”.
“Ela (a lei) é contrária a tudo o que a França diz que é como país dos Direitos Humanos”, comenta.
Para Sezerino, os principais problemas são a criminalização das pessoas em situação irregular, a perda da naturalização automática de filhos de pais estrangeiros nascidos em solo francês ao completarem 18 anos.
Com base na proposta da lei, os filhos de estrangeiros nascidos na França precisarão entrar com um pedido de naturalização entre os 16 e os 18 anos, e podem ter esse pedido negado. “Este pedido será analisado para observar o grau de integração dessas crianças na sociedade francesa, sendo que os critérios de integração não estão definidos na lei. São complicações que se colocam no percurso das pessoas migrantes e filhos de pessoas migrantes”, relata o coordenador.
Os mais afetados a partir de agora serão as pessoas em situação irregular na França, os chamados “sans papier”, já que estar ilegal passa a ser um delito passível de multa de €3.750 (mais de R$ 20 mil), além de detenção e proibição de entrar em solo francês por três anos.
“Não se trata de um crime, se trata de uma situação administrativa”, adiciona Sezerino.
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Polêmica lei de imigração que dividiu o país é combatida pela esquerda, pela sociedade civil e por associações humanitárias
Estudantes prejudicados
Estudantes estrangeiros também serão atingidos, Leonardo Tônus, professor de literatura brasileira na Universidade Sorbonne, lamentou três questões que para ele “terão impactos diretos na presença de estudantes brasileiros na França”.
“A primeira é o eventual caução de retorno, soma que seria recuperada no retorno ao país de origem. A segunda, o estabelecimento de cotas para estudantes estrangeiros. E a terceira, a majoração da taxa de inscrição para estudantes estrangeiros. Três medidas, na minha opinião, discriminatórias, que vão contra o sistema republicano de ensino”, avalia o Tônus.
“A minha aula de mestrado de literatura brasileira conta com 70% de estudantes vindos e vindas do Brasil”, conta o professor. A França é um dos principais destinos de estudantes estrangeiros no mundo.
Outras medidas polêmicas
Ainda entre as medidas mais comentadas e criticadas está o auxílio moradia (APL), que ficará mais difícil de obter. Será preciso justificar três meses de trabalho para quem tem emprego e cinco anos de vida na França para quem não trabalha.
O corte do benefício dado aos idosos estrangeiros também é um ponto muito controverso. Até agora, mais de 30 regiões governadas pela esquerda no país já anunciaram que não vão adotar a medida.
A AME, ajuda médica do Estado para pessoas em situação irregular, finalmente não será abolida, mas sofrerá reformas em 2024, segundo informações divulgadas pela primeira-ministra da França, Élisabeth Borne. Espera-se que as mudanças da AME restrinjam o acesso à saúde e afetem quem precisa de acompanhamento médico.
A diarista brasileira Débora Alencar, que vive na França há mais de três anos de forma irregular, teme ficar sem o apoio de saúde. “Se for tudo o que falaram, com certeza vai me afetar e quanto a isso estou preocupada, pois é caro se tratar aqui e eu tenho alguns problemas de saúde, tenho que ser sempre acompanhada”, disse ela ao contar que entrou com pedido de regularização por trabalho este ano, mas não sabe se pode ser impactada pela nova lei.
A França acolhe hoje 5,1 milhões de estrangeiros legais, sendo 7,6% da população, e abriga mais de meio milhão de refugiados. As autoridades do país estimam que existam entre 600 mil e 700 mil pessoas em situação irregular.
A nova lei de imigração ainda será avaliada pelo Conselho Constitucional francês que pode vetar algumas das medidas.