Em um roteiro similar ao que o Brasil vivenciou em 2018, a Argentina testemunhou, neste domingo (01/10), um dos candidatos à presidência, Javier Milei, minimizar a ditadura militar, prometer reduzir o Estado e investimentos públicos e demonizar a política no primeiro debate eleitoral para a eleição de 22 de outubro deste ano.
“Não foram 30 mil desaparecidos, são 8.753. Somos contra uma visão de apenas um lado da história”, disse Milei, da La Libertad Avanza.
Na Argentina, o número oficial é compilado pelo Registro Unificado de Vítimas do Terrorismo de Estado, que computa 8.631 mortos e desaparecidos no período de 1976 a 1983. No entanto, o próprio relatório reconhece que a cifra é subestimada.
Milei, porém, não apenas ignora o horror produzido em larga escala pelos militares argentinos, mas também ofende a memória de quem lutou pelo retorno da democracia no país.
O candidato da extrema-direita chamou grupos guerrilheiros de terroristas, declarou que “durante os anos 1970 houve uma guerra e nessa guerra as forças do Estado cometeram excessos” e criticou “aqueles que usaram a ideologia [dos direitos humanos] para ganhar dinheiro e realizar negócios obscuros”.
A presidente da Avós da Praça de Maio, Estela de Carlotto, rebateu nesta segunda (02/10) as falas do candidato da extrema-direita.
“O povo tem que acordar. Mesmo que pensemos diferente sobre algumas coisas, pergunte-se se todos queremos que o mentiroso [Milei] seja presidente. Quem mancha a história do nosso país não precisa ser presidente”, disse.
“Ofende brutalmente as famílias que ficaram sem os nossos filhos e as avós que sofrem uma dor dupla. Procuramos os nossos filhos e os seus filhos nascidos em cativeiro”, lamentou Carlotto.
“Eles mentem agora, continuarão mentindo, se infelizmente vierem comandar as nossas vidas”, alertou.
TV Pública da Argentina
Candidato da extrema direita manteve postura negacionista a respeito das violações aos direitos humanos pela ditadura argentina
Em uma publicação nas redes sociais, o presidente Alberto Fernández afirmou que Milei justifica os atos da ditadura. “É insustentável que alguém continue a negar e a justificar a ditadura genocida que torturou, assassinou, roubou bebês cuja identidade foi alterada, causou desaparecimentos e condenou dezenas de milhares de argentinos ao exílio”, escreveu.
O debate
Os candidatos à presidência argentina debateram, neste domingo (1), temas como a inflação, a fuga de divisas, a dolarização da economia e o fim do Banco Central.
O debate foi realizado em Santiago del Estero e contou com a presença dos candidatos Sergio Massa, da ala mais à direita do peronismo, Javier Milei, da La Libertad Avanza, Patricia Bullrich, do grupo político do ex-presidente Mauricio Macri, Juntos por el Cambio, Juan Schiaretti, do Hacemos por Nuestro País e Myriam Bregman, candidata da Frente de Izquierda y de Trabajadores
De acordo com o Clarín e La Nación, os dois maiores jornais argentinos, a avaliação é de que o debate não teve vencedor ou perdedor. As publicações citaram o clima de tensão entre os participantes, sobretudo entre Massa e Milei, que lideram as intenções de voto, segundo pesquisas recentes.
Massa criticou o plano de Milei de dolarização e tentou se desvencilhar do presidente argentino, Alberto Fernández, mesmo que sem citá-lo.
“Eu tenho claro que a inflação é um problema enorme na Argentina. Também tenho claro que os erros deste governo causaram danos às pessoas”, afirmou Massa. “E por isso, embora eu não fosse parte [da atual gestão] até assumir como ministro da Economia [em agosto de 2022], peço desculpas”, completou.
“Milei propõe a volta da AFJP [fundo de pensão privado que roubou milhares de aposentados nos anos 1990], a privatização da YPF [petroleira estatal], e que todas os argentinos e argentinas paguem a universidade e a escola secundária”, criticou Massa.
“Milei propõe um modelo de dolarização que só existe em El Salvador, Zimbabué e Equador”, completou.