O ano de 2024 começou animado nos Estados Unidos. A campanha e os debates das primárias para as eleições presidenciais, que já estão acontecendo há meses, vão se intensificar. Além disso, há uma grande expectativa envolvendo Donald Trump. Dois estados tentam impedir o ex-presidente de ser o candidato republicano, acusando-o de insurreição.
A decisão do Colorado e do Maine deverá ser avaliada pela Corte Suprema ainda no começo deste ano e deverá dar o tom da corrida eleitoral que teremos pela frente no país.
“O mais estranho é que os problemas de Trump com a justiça reacendem o apoio de seus seguidores, (…) meio que incorporando a narrativa de que os poderosos estão se unindo contra Donald Trump e usando o Departamento de Justiça para suprimir direitos, por falta de uma palavra melhor”, diz Richard Groper, que é cientista político especializado em Governança Americana.
Especialistas, como o professor Groper, dizem que, apesar do artigo 3 da 14ª Emenda da Constituição prever que aquele cidadão que participou em atos de insurreição esteja inabilitado a ocupar um cargo público, o pior para a democracia do país seria uma decisão favorável ao bloqueio de Trump. A prerrogativa legal, a qual recorreram o Maine e o Colorado, é um resquício da Guerra Civil desenhada para impedir que os confederados pudessem ocupar cargos públicos.
“Certamente, ele fez algo ilegal. Na minha opinião houve muitas atividades ilegais, mas no final das contas é melhor deixar que as pessoas decidam pelo bem da democracia. Não queremos que juízes tomem as decisões políticas neste país”, avalia Groper.
No entanto, os eleitores não parecem estar muito dispostos a frear Donald Trump, que aparece em primeiro lugar na preferência dos votantes em 5 dos 6 estados pêndulo, que variam sua preferência partidária, segundo pesquisa da 270 to Win.
O atual presidente, Joe Biden, termina os seus 1.073 dias de governo com a popularidade mais baixa que um presidente apresentou nesse mesmo período de governo na história atual. Ele tem hoje 39,3 % de aprovação dos americanos, segundo a plataforma de pesquisas Projects 538. No mesmo período, Trump contava com 42,4% de aprovação, e 46,1% estavam satisfeitos com o governo Obama durante seu primeiro mandato.
Baixa popularidade
A postura do governo dos Estados Unidos com relação às ações de Israel no conflito com o Hamas no Oriente Médio teria ajudado a empurrar a aprovação de Biden ainda mais para baixo.
A economia, por outro lado, tem apresentado uma melhora significativa desde 2022, quando os Estados Unidos fecharam o ano temendo uma recessão.
“Chegamos a 2023 pensando que havia um risco elevado de recessão e, com base em todos os dados econômicos que vimos até agora, parece que os EUA conseguiram contornar isso. De fato, o país apresentou um desempenho muito melhor em termos de crescimento econômico do que era esperado”, relembra Mark Hamrick da consultora financeira Bankrate.
Hoje os níveis de desemprego no país são os mais baixos em 50 anos e a perspectiva do Federal Reserve é que para 2024 a inflação, que chegou a sua porcentagem mais elevada em 40 anos em 2022, seja de 2% em 2024.
“O mercado de trabalho está em uma situação ainda melhor do que era esperado até agora. E o Banco Central estima que devemos esperar algumas reduções nas taxas de juros para 2024 porque a inflação terá um desempenho melhor”, aponta Hamrick.
Porém, ele acredita que a meta de 2% é demasiado otimista. Hamrick diz que é preciso observar “algo chamado PCE, ou Despesas de Consumo Pessoal” e que, “essas medidas para 2024 continuam elevadas, não atingindo a sua meta de 2 % esperada pelo Federal Reserve”.
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Nos Estados Unidos, 2024 começa agitado pelas eleições presidenciais
Ainda que a economia tenha melhorado em 2023, a sensação de grande parte da população é de seguir em crise. Segundo uma reportagem do The New York Times publicada em dezembro, isso seria o resultado da perda recente de poder aquisitivo e da alta considerável do valor das moradias que aconteceram nos últimos anos. Segundo a matéria, houve um aumento de 20% no valor dos produtos básicos desde 2019. Outro elemento que contribui para o pessimismo, apesar dos índices favoráveis, é a desinformação. Vídeos do Tik Tok em que pessoas comuns espalham informações imprecisas sobre o cenário econômico do país recebem milhares de visualizações diariamente. Um dos conteúdos mais populares são aqueles que abordam o sonho cada vez mais distante da casa própria.
Uma pesquisa feita pela Bankrate indicou que cerca de nove em cada 10 trabalhadores ou pessoas em busca de trabalho considerariam o estado da economia como uma das questões importantes a serem levadas em conta ao decidir seu voto para presidente em 2024.
De acordo com Richard Groper, as questões mais importantes nestas eleições para os americanos serão as internas, como economia, aborto e talvez o meio ambiente. Além disso, “as pressões inflacionárias parecem estar diminuindo, mas o público americano não se mostra muito aliviado ou pelo menos essa é a percepção que existe”, avalia o professor da California State University.
Idade de Biden preocupa
A sensação de crise econômica e as controvérsias sobre a participação econômica e moral dos Estados Unidos no conflito do Oriente Médio não são os únicos problemas com que Biden terá que lidar em sua tentativa de reeleição.
A iminente votação de uma nova lei de imigração, com características parecidas à legislação vigente durante o governo de Trump, poderia fazer com o presidente perca parte da força que tracionou os eleitores mais progressistas a irem às urnas em 2020.
Nas últimas eleições presidenciais, o país contou com uma participação recorde, lembrando que o voto não é obrigatório nos Estados Unidos.
Groper, porém, está otimista e crê que, ainda que Biden não motive o eleitor a ir às urnas em novembro, o voto contra Donald Trump pode ser um grande impulsionador.
O especialista em eleições acredita que pode haver uma grande participação do eleitor, mas que dificilmente ela superará a de 2020. Para ele, quanto mais pessoas forem às urnas neste ano, melhor para o candidato democrata, já que o principal capital eleitoral de Biden ainda se baseia na ideia de “nós contra eles”. No caso, a população contra Trump. Já “uma menor participação eleitoral provavelmente ajudaria Donald Trump porque seus seguidores leais votarão independentemente”, diz ele.
Frear Trump e o avanço de leis que restrijam o aborto devem ser o grande trunfo dos democratas para este pleito.
“O aborto pode ser um problema. E isso galvaniza o voto feminino, especialmente os votos das mulheres dos subúrbios, que são particularmente importantes nos estados pêndulo”, aponta Groper.
Sendo as eleições uma aposta pelos quatro anos futuros, o fator idade acrescenta uma incógnita ao xadrez presidencial. Ainda que Donald Trump não seja jovem – o pré-candidato tem 77 anos- Joe Biden é quem, aos 81 anos, vem apresentando publicamente cada vez mais os sinais da idade avançada.
“Sua idade é um grande problema para muitas pessoas, e suas capacidades cognitivas preocupam. Ainda que Donald Trump também não seja jovem”, diz o professor de Ciências Políticas.
Ainda que a impressão seja de que o futuro dos Estados Unidos nas urnas se assemelha às disputas de 2020, é preciso lembrar que nada está 100% definido. Apenas em março, quando ocorre o chamado super Tuesday, em que o maior número de estados vai às urnas durante as primárias eleitorais, teremos a confirmação dos nomes que tentarão ocupar a Casa Branca pelos próximos quatro anos.