“Água mole em pedra dura, tanto bate até que fura”. Eis um ditado popular em sintonia com o pensamento de Barack Obama para a América Latina. Depois de quase um ano em que praticamente todos os analistas, políticos, funcionários governamentais imploraram por saber o que o novo presidente dos Estados Unidos pensa dos vizinhos ao sul, eis que Obama, como um mago que saca da manga um trunfo de última hora, falou.
“Queremos e levaremos a cabo uma mudança nas relações com a região e vamos trabalhar com todos os países, incluindo Cuba”, disse numa entrevista a um canal de televisão norte-americano em espanhol, divulgada no último domingo – ou seja, dois dias antes da posse, que será realizada hoje (20).
“Vamos falar com quem quer que seja quando nos beneficie”, sentenciou o presidente. “A nossa responsabilidade como norte-americanos não é ditar políticas ou dizer o que convém a outros países, mas levar a cabo uma cooperação de interesse comum”.
A declaração não fez mais do que confirmar o que a senadora Hillary Clinton, agora secretária de Estado, tinha dito na semana passada durante audiência do Comitê de Relações Exteriores do Senado. Mas adquire certa particularidade porque foi a primeira vez que Obama falou, detalhadamente, sobre o que pensa fazer na região – depois de se reunir com o presidente do México, Felipe Calderón.
Obama elogiou Calderón. Disse que está enfrentando o narcotráfico com valentia, inclusive “correndo um risco pessoal e pondo em risco a sua administração”. Por isso, revelou que vai dar ao mexicano todo o apoio possível. “Ele precisa de nosso apoio. Vamos trabalhar no marco da Iniciativa Mérida, os Estados Unidos vão ser um sócio nesse combate [ao narcotráfico]. Faremos tudo que esteja ao nosso alcance para impedir o contrabando de armas para o México, e temos de reduzir o consumo de drogas no nosso país”, acrescentou Obama.
Por outro lado, o agora presidente norte-americano criticou o venezuelano Hugo Chávez, a quem acusou de “impedir” o desenvolvimento da América Latina. A Venezuela é o quarto abastecedor de petróleo dos Estados Unidos, que compra 80% de sua produção de óleo cru. De toda maneira, e apesar das reticências, Obama acha que a Venezuela “é importante para o desenvolvimento da região”.
“Além do petróleo, é um país com uma importância crítica no comércio regional. Por isso, estamos dispostos a iniciar conversas diplomáticas para melhorar as relações”, afirmou. De qualquer modo, apontou, “temos de ser firmes quando vemos notícias de que a Venezuela está exportando atividades terroristas ou apoiando grupos como as Farc [Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia]. Isso não é um comportamento que devemos esperar de ninguém na região”.
Segundo o professor da Universidade Internacional da Flórida e analista político Daniel Alvarez, a chegada de Obama à Casa Branca representa um dilema complicado para Chávez. “Ele não vai ter diante de si um homem que vai se opôr sistematicamente, e isso vai obrigá-lo a ir mais ao centro. Não há forma, nem justificativa, para um discurso incendiário anti-Washington, quando Obama diz que quer ter boas relações com ele. Tenho a impressão de que Obama vai ser o homem que cortará as asas de Chávez, pode ter a certeza”.
Em relação a Cuba, Obama foi muito mais aberto, um gesto que, segundo observadores, ele pode se dar ao luxo, porque na campanha eleitoral foi muito preciso nas suas promessas: abolir as medidas mais impopulares da administração Bush junto à comunidade cubana no sul da Flórida, como impedir as viagens à ilha e o envio de dinheiro a familiares. Mas o embargo econômico continua.
“Vamos acabar com essas restrições de viagens e o envio de remessas, mas não se levantará o embargo”, sentenciou Obama. Segundo ele, um diálogo com o governo de Raul Castro só será possível “sempre e quando Cuba também esteja disposta a desenvolver as liberdades individuais na ilha”.
Só o Congresso tem poder para levantar o embargo
Ontem, o jornal Miami Herald citou um assessor republicano recém-chegado de uma visita à ilha, que admitiu haver temas, além do embargo comercial, nos quais Obama pode avançar mais do que prometeu na campanha eleitoral.
Por exemplo, os vistos para visitas aos Estados Unidos. Obama poderia outorgar mais vistos – agora praticamente cancelados –, o que facilitaria as viagens de professores universitários, estudantes, cientistas, artistas de ambos os países. A venda de alimentos, autorizada pelo presidente Bill Clinton, e amplamente desenvolvida na administração Bush, poderia ser facilitada ao estender-se a créditos financeiros, algo que está proibido agora.
Segundo números do U.S.-Cuba Trade and Economic Council, no ano de 2007, os Estados Unidos venderam US$ 437 milhões em alimentos a Cuba. O montante subiu para US$ 602 milhões em 2008.
Os democratas também estão de acordo com a percepção republicana. “Há muitas coisas que se pode fazer sem necessariamente tocar no embargo. Coisas como desenvolver os contatos com a sociedade civil, abrir as vias de comunicação entre os dois povos. São muitas coisas a fazer”, disse Joe Garcia, ex-dirigente democrata no sul da Flórida e um dos principais assessores de Obama na política para Cuba.
O presidente não tem autoridade para levantar o embargo econômico à ilha desde que este foi “codificado”, em 1996, e introduzido na Ley Helms-Burton. Só o Congresso pode fazer isso pelos cubanos.
(Na entrevista, Obama não falou nada sobre o Brasil. Nossa reportagem tem tentado abordar o assunto em Washington, mas as relações com a administração Lula ainda são uma incógnita)
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