Uma dívida milionária contraída durante a ditadura de Alfredo Stroessner (1954-1989) pelo diplomata argentino Gustavo Gramont Berres, considerada ilegal pelo atual presidente paraguaio, Horacio Cartes, e validada pela Justiça suíça, acendeu o alerta vermelho em Assunção pelas semelhanças com o litígio da Argentina contra os fundos abutres. Além disso, a emissão de bônus soberanos pelo governo fez a dívida do país aumentar 60% nos últimos dois anos.
Agência Efe
Cartes tem tomado diversas medidas para incentivar o investimento privado e estrangeiro no país
Assim como os fundos abutres levaram a Argentina a fóruns internacionais para contestar o pagamento de títulos, o Paraguai se recusa a pagar cerca de US$ 160 milhões (aproximadamente R$ 419 milhões), tal como foi determinado pelo Tribunal Federal do país europeu. O empréstimo, feito por Berres em 1986, foi comprado por fundos abutres, tendo sido a dívida validada em 2005. Mas, por não ter sido aprovada pelo Congresso, como manda a Constituição paraguaia, ela é considerada, pela oposição e pelo governo, como ilegal.
Bônus soberanos
Os chamados bônus soberanos são emitidos pelo governo paraguaio sem a necessidade de qualquer plano ou projeto, com as taxas de juros fixadas pelo mercado. No total, o Paraguai emitiu US$ 1,5 bilhão de bônus em Nova York e mais US$ 1 bilhão estão previstos no orçamento de 2015. O acordo prevê lucro de 6,1% ao ano, maior que a praticada comumente neste tipo de transação, ressalta o engenheiro Ricardo Canese, ex-vice-ministro de Minas e Energia do Paraguai e Secretário de Relações Internacionais da Frente Guasu, em entrevista a Opera Mundi.
Divulgação/ Frente Guasu
Manifestação realizada em agosto de 2014 contra as políticas econômicas de Cartes
Na comparação com a Argentina, é necessário pontuar que o ambiente político e econômico em que se dá o endividamento é diferente. Diante do cenário econômico argentino, em que o país não tinha condição de pagar a dívida de quase US$ 100 bilhões herdada dos governos neoliberais dos anos 1990, Néstor Kirchner (2003-2007) teve que “fazer concessões sobre a emissão dos bônus que hoje se converteram nos fundos abutres”, esclarece o economista paraguaio e membro da Seppy (Sociedade de Economia Política do Paraguai) Aníbal Amado Nunes, em entrevista a Opera Mundi.
Já no país vizinho, a emissão dos papéis está sendo feita para se financiar, sem que haja projeto ou planejamento prévio. “Primeiro pegam o dinheiro e depois começam a pensar o que fazer com ele. Não há controle”, esclarece Canese.
Durante os governos do ex-presidente Federico Franco (2012-2013) – que assumiu o poder imediatamente após o golpe parlamentar que destituiu Fernando Lugo (2008-2012) em junho de 2012 – e do atual mandatário, Horacio Cartes, o país viu a dívida crescer 60%.
Em audiência pública, senadora Esperanza Martínez fala sobre crescente endividamento do país (em espanhol):
“Enquanto isso, o presidente diz que não tem recursos, a saúde e a educação estão sucateadas”, afirma Canese. Em sua avaliação, “uma carga tributária maior ajudaria a resolver esse tipo de problema”, opina o político da Frente Guasu.
Assim, o nível de endividamento do Paraguai, conhecido por ser baixo, atingiu outro patamar. O país, que tinha dívidas na ordem de US$ 2 bilhões, além de reservas internacionais de US$ 6 bilhões, chegou a um endividamento de US$ 4,5 bilhões e reservas de US$ 7 bilhões.
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Soma-se a isso ainda o fato de que o Paraguai tem baixíssima carga tributária e alta evasão. Esta última, se não diminuída, fará com que “em algum momento passemos a ter problemas para pagar esses bônus. Além disso, o setor primário [agroexportador] que mais contribui para o PIB não paga meio centavo pela metade das exportações de soja em estado natural”, alerta Amado Nunes.
Tribunais de Nova York
Há ainda outro fator semelhante entre a situação de Argentina e Paraguai: a definição dos tribunais de Nova York para a resolução de possíveis litígios. Foi o juiz nova-iorquino Thomas Griesa que impediu a Argentina de pagar os credores que aceitaram a renegociação da dívida e forçou o país a entrar em “calote técnico” mesmo tendo depositado o dinheiro para honrar o compromisso financeiro.
Assim, segundo Nunes, “dado o prazo longo [30 anos], se a economia do país vier a passar por dificuldades, como qualquer país pode passar, abrirá caminhos para os ‘fundos abutres’ detentores desses bônus não negociarem o refinanciamento e recorram aos tribunais de Nova York para fazer o mesmo que estão fazendo com a Argentina”.
Sobre a questão, Canese ironiza: “eu costumo dizer que o Paraguai só é sério no futebol. Nunca que a equipe de um país vai aceitar que um juiz de outro time apite o jogo. É como se em um confronto entre Paraguai e Suíça, o juiz fosse suíço. Ninguém aceitaria, mas foi isso que aconteceu quando Cartes aceitou Nova York como sede do fórum de contenda”.