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A Dow Chemical Company, gigante norte-americana de produtos químicos, é uma das principais patrocinadoras dos Jogos Olímpicos de Londres 2012, com um aporte de 7 milhões de libras esterlinas (cerca de 20 milhões de reais). Mas a superexposição da marca, que resultaria à primeira vista em dividendos de imagem, trouxe à tona seu elo com a catástrofe de Bhopal, na Índia, considerada a maior tragédia industrial da história.
Em 1984, falhas em uma fábrica de pesticidas contaminaram cerca de 120 mil pessoas com 27 toneladas de um gás altamente tóxico, o isocianato de metila. Os efeitos foram devastadores. Dados oficiais afirmam que 3.800 pessoas morreram em três dias e outros 20 mil morreram em decorrência da poluição. O gás se espalhou por uma área de três quilômetros quadrados e se infiltrou no solo, atingindo um aquífero que abastece toda a região da cidade, no centro da Índia.
Na época, a fábrica ainda era de propriedade de outra empresa, a Union Carbide. Os sistemas de segurança, desativados, não preveniram o vazamento. A contaminação foi tão grande que, mesmo 15 anos depois da tragédia, em 1999, testes mostraram que havia de 20 mil a 6 milhões de vezes mais mercúrio na água que o permitido.
Dois anos depois, em 2001, a Dow Chemical comprou a Union Carbide, hoje sua subsidiária. Mas o solo e o aquífero nunca foram descontaminados, causando problemas crônicos de saúde.
Obbino/WikiCommons
Para ativistas, a Olimpíada, que começa no dia 27 de julho, pôs a companhia na berlinda, e é a hora de a Dow assumir que tem responsabilidade sobre a tragédia. “Se você compra uma indústria com um esqueleto tóxico, é sua responsabilidade sim”, argumentou Meredith Alexander, ex-agente da Comissão para uma Londres Sustentável 2012. Ela renunciou ao cargo dia 25 de janeiro, ao vivo, na rede estatal BBC, em protesto contra o patrocínio da Dow Chemical.
Na foto ao lado, manifestantes pedem aos EUA, em 2006, a extradição de Warren Anderson, ex-presidente da Union Carbide.
A empresa nega ser responsável pela catástrofe em Bhopal porque não operava na região na época do vazamento, e mantém o valor das indenizações já pagas às vítimas, que somam 288 milhões de libras (cerca de R$ 800 milhões). Seu contrato com o COI (Comitê Olímpico Internacional) é para o patrocínio de três Jogos Olímpicos – o que inclui a versão brasileira daqui a quatro anos, a Rio-2016.
Até hoje, oito gerentes indianos da Union Carbide foram condenados, com pena de dois anos de prisão e multa pífia. As indenizações às vítimas, critica Meredith, não passam de 6 pence por dia (cerca de R$ 0,15) para danos irreversíveis. Ainda há litígios em curso na Justiça da Índia e dos Estados Unidos.
De volta à pauta
Colin Toogood, da Bhopal Medical Appeal, ONG em defesa das vítimas da catástrofe, mostra empolgação. “Quebramos a casca da imprensa e dos políticos”, contou em evento na Universidade de Londres. Há anos a tragédia não estava em pauta. “Não há como perder essa campanha. Vamos aproveitar essa janela de oportunidade”, afirmou.
A contaminação, ainda hoje, 28 anos após o vazamento, é “muito pior do que se imagina”, diz Toogood. “O que mais aparece é o que está na superfície, e o governo indiano vai lá e limpa, mas não é só isso”, disse. “Há um aquífero com um raio de três quilômetros contaminado”, explicou.
No dia 8 de julho, às vésperas do início dos Jogos, uma minimaratona de 10 quilômetros em Londres pretende chamar a atenção para as vítimas de Bhopal. A contaminação é intergeracional, ou seja, os filhos das vítimas do vazamento carregam deformidades e problemas crônicos de saúde.
Toogood avisa que, durante os Jogos, a iniciativa dos ativistas irá além. A ideia é partir para a ação direta, com grandes manifestações. Afetados pelo vazamento estarão em Londres para protestar. O slogan deve continuar “Drop Dow”, ou “Retire a Dow”, e vai bater no tema de responsabilidade corporativa.
Enquanto isso, atletas indianos também têm botado pressão no COI e no governo de seu país em virtude do patrocínio. Já são diversas as ameaças de boicote à Olimpíada em apoio às vítimas de Bhopal.
Reputação
O elo da Dow Chemical com a catástrofe de Bhopal bateu à porta do primeiro-ministro britânico David Cameron. O conservador foi questionado por uma rede de TV indiana sobre o patrocínio da companhia aos Jogos. Para ele, a empresa tem “boa reputação”. “Entendo a raiva que existe…o tremendo sofrimento que aconteceu em Bhopal e depois, e meu sentimento é por todos aqueles que sofreram a terrível tragédia”, disse o premiê.
“No entanto”, continuou, “É preciso reconhecer dois pontos importantes. Primeiro, a Dow não era dona da Union Carbide naquele momento, então é uma companhia diferente, com negócios diferentes. Segundo, e o mais importante, o patrocínio da Dow para a Olimpíada foi feito pelo COI. O processo de decisão é deles.”
A Dow, que também fabricou napalm para a Guerra do Vietnã, vai produzir a decoração externa do Estádio Olímpico de Londres, em Stratford, zona leste da cidade. Serão utilizados ao menos 300 painéis de tecido ao redor do estádio, formando uma espécie de “embrulho”.
Mas a logomarca da companhia não estará em evidência. Ela é a segunda maior indústria química do mundo. Só fica atrás da BASF, da Alemanha.
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