‘La Patria sos vos’. A frase do cartaz eleitoral, “a Pátria é você”, se destaca em um fundo azul celeste abaixo da imagem predominante do pré-candidato à Presidência da Argentina, Sergio Massa (Frente Renovador), atual ministro da Economia do país, e de Agustín Rossi (Partido Justicialista) ao seu lado, como vice.
O lema representa a chamada “fórmula de unidade” do peronismo para a disputa presidencial deste ano, que terá sua primeira etapa no próximo 13 de agosto, quando acontecem as eleições prévias.
Com números difíceis de impulsionar como propaganda política – a inflação acumulada deste ano na Argentina já soma 50,7% –, o atual ministro da Economia é reconhecido pelo seu círculo próximo como uma figura extremamente ativa e que sabe cultivar otimismo. Assim, mesmo sendo da pasta econômica e enfrentando uma situação profundamente complexa para o país, condicionada por uma dívida de 45 bilhões de dólares com o Fundo Monetário Internacional, Massa chega à sua maior chance até então de alcançar a Presidência argentina.
A proposta peronista para a disputa eleitoral deste ano tardou. Foi apenas no último dia do prazo para as inscrições das alianças eleitorais que a frente peronista apresentou o novo nome: já não mais seria reconhecida como Frente de Todos, como se chamava a aliança eleita em 2019, e sim União pela Pátria (UP). O espaço é conformado por 16 partidos e busca descolar-se do governo de um já desestimado Alberto Fernández, que anunciou em abril a desistência da busca pela reeleição.
A primeira tentativa do setor por um candidato de unidade foi lançar a pré-candidatura do ministro do Interior Eduardo Wado de Pedro, filho de desaparecidos da ditadura militar e figura ligada ao kirchnerismo. Cartazes, anúncios e, poucos dias depois, a coalizão voltaria atrás para lançar a chapa definitiva Massa-Rossi, com maiores chances de atrair votos para a UP.
A fórmula final apoiada pelo kirchnerismo – e aparentemente com pouco entusiasmo – para a Presidência revela uma nova etapa do próprio campo peronista. Uma aposta por alguém próximo a setores da direita – já que, em 2016, Massa acompanhou o ex-presidente Mauricio Macri a Davos para o Fórum Econômico Mundial – somada ao voto de confiança. Uma reconfiguração não apenas de suas figuras proeminentes, mas também sobre as propostas que sejam capazes de refletir as promessas da força política popular e progressista de maior relevância eleitoral no país.
“Não vejo uma crise da identidade do peronismo, mas sim, talvez, um reordenamento. Estamos iniciando uma etapa de novas lideranças, o que é parte de um processo”, afirmou o secretário de Relações Internacionais do Partido Justicialista, Joaquín Ribera, a Opera Mundi.
Trata-se da terceira chapa consecutiva da força peronista que não impulsiona um candidato próprio do movimento, liderado pelo kirchnerismo desde a eleição de Néstor Kirchner, em 2003. Massa é ex-rival de Cristina Kirchner, mas aliou-se a ela em 2019 para compor a Frente de Todos contra a reeleição de Macri. De boas relações com empresários, políticos de ambos os lados da calçada e também com os meios de comunicação, o ministro da Economia foi uma escolha pragmática, dizem os dirigentes peronistas. Após a saída da atual vice-presidente do jogo, não havia uma figura óbvia que entrasse para ganhar.
“Acredito que temos uma fórmula 100% peronista. Estou entusiasmado”, enfatiza Ribera, apontando que Massa é um “homem de muito trabalho, muita gestão e pode surpreender a muitos que hoje olham com desconfiança. Temos que ter fé e dar uma chance”.
No país, as prévias são definidas pelo voto popular. São conhecidas pela sigla Paso, que significa “prévias abertas, simultâneas e obrigatórias”. O resultado do próximo dia 13 de agosto definirá os candidatos de cada partido e coalizão para a eleição geral, cujo primeiro turno está programado para 22 de outubro – se for necessário um segundo turno, será em 19 de novembro.
Peronismo 2023
Assim é como chega o peronismo para a corrida presidencial deste ano, com uma rara disputa interna na eleição Paso. Após 35 anos, o setor terá dois pré-candidatos lutando pelo direito de ser o seu representante: além de Massa, o outro competidor será Juan Grabois, líder do partido Pátria Grande e da organização social Movimento dos Trabalhadores Excluídos (MTE).
Antes da decisão da UP pelo nome de Massa como “candidato de unidade”, Grabois dirigiu enfáticas acusações contra o ministro e disse que não o apoiaria como candidato único. “A concorrência e individualismo são um retrocesso que também se expressam em um lema que eu não gosto: ‘a Pátria é você’. A pátria é você e os outros, não você sozinho”, apontou ele em uma entrevista recente.
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Sergio Massa e Juan Grabois disputarão, no dia 13 de agosto, as prévias que decidirão qual deles será o candidato presidencial peronista
A candidatura de Grabois pela UP representa, hoje, um programa mais à esquerda dentro da atual conformação peronista. Os debates que ele põe na agenda, com o foco nos setores mais afetados pela inflação, abre o leque sobre a discussão de um programa próprio do movimento, em um contexto de desmotivação social com a representação política no país.
Nos últimos anos, um discurso de extrema direita ganhou espaço na sociedade argentina, representado hoje pelo deputado nacional e pré-candidato à Presidência Javier Milei (A Liberdade Avança), levando à radicalização da direita tradicional.
A Opera Mundi, o antropólogo e assessor político Alejandro Grimson destacou que a novidade deste fenômeno na Argentina. “É algo que está ocorrendo em muitos países do mundo. Surge uma ala de extrema direita dentro dos partidos de centro-direita”, disse.
Um exemplo disso na direita argentina é o caso de Patricia Bullrich, pré-candidata presidencial que promete aumentar a repressão contra mobilizações sociais, em sua disputa pela vaga de representante da coalizão Juntos pela Mudança, contra Horacio Rodríguez Larreta, considerado mais moderado.
A desmotivação social após a primeira desilusão com Macri e, depois, com Fernández, recai sobre o apoio a um candidato que berra contra a “casta política” e seus privilégios, como faz Milei. Grande parte de seus votantes declarados dizem, contraditoriamente, não concordar com muitas de suas propostas, mas que apostam “por algo novo”.
Nesse contexto, Massa pode trazer votos novos ao peronismo, ao não sendo um candidato tradicional do espaço. Mas o cenário é aberto. As pesquisas divulgadas nas últimas semanas mostram Massa reunindo a maioria de votos como candidato único, mas como espaço, o Juntos pela Mudança tem vantagem. Segundo a CB Consultora Opinión Pública, Massa aparece com 25,5%, seguido de Milei, com 20,3%; Bullrich, 18,7%; Larreta, com 14,3%; e Grabois, com 4,9%.
“A disputa do peronismo é menos competitiva que a outra. A primária da direita é mais equilibrada e mais difícil de prever. Por outro lado, Grabois expressa uma discordância que provavelmente seja maior do que os votos que irá conseguir”, avaliou Grimson, que foi assessor de Fernández até esse ano.
O cálculo é que Massa traria votos mais difíceis, mais ao centro. Uma figura que disputaria de forma mais equilibrada contra Larreta. Portanto, pensando na eleição geral, parece mais estratégico disputar contra Bullrich.
Outro cálculo que parte dos resultados das eleições já ocorridas nas províncias diz respeito à alta taxa de abstenção nas urnas. A desilusão com a Frente de Todos estaria refletida, neste caso, não a um voto que migrou à direita, senão à desmotivação de sair de casa para votar. Por isso, a campanha da UP tem focado em enfatizar a necessidade de comparecer às urnas.
“Há um enorme desafio para o peronismo, que é o de convencer a sociedade de que este pode ser um governo que aprendeu com os erros e os mecanismos de funcionamento que não foram efetivos, e que tem a solução para os grandes desafios da Argentina nesse momento”, afirmou o assessor.
O último pleito provincial, em Chubut, no domingo passado (30/08), dá conta desse duplo desafio: a província patagônica será governada pela coalizão Juntos pela Mudança, após 20 anos de gestão peronista, graças a uma vitória eleitoral por menos de dois pontos de diferença. A taxa de ausência também foi alta: 69% de participação, em relação a 73%, em 2019, uma tendência que já se observa em 15 das 17 províncias que tiveram eleições neste ano.
No âmbito peronista, há otimismo, e Ribera destacou os três eixos de desafio que serão encarados pelo programa: “reposicionamento salarial, que acompanha a redução da pobreza; a melhoria das condições de vida e a geração de felicidade”, apontou, sem deixar de mencionar o objetivo de voltar a “tirar o FMI do país”.
“O peronismo tem uma filosofia diferente, que é a alegria e a felicidade das pessoas”, disse a Opera Mundi.
O resultado da eleição primária do próximo dia 13 começará a ser divulgado a partir das 21h (horário de Brasíalia), segundo anunciado pelo governo argentino.