Que uma família viva com 64 dólares por semana parece incrível. Ainda mais inverossímil, contudo, é que, devido à crise econômica enfrentada pelo México há mais de um ano, estes 64 dólares já não sejam semanais, e sim, mensais.
Esta é a realidade de Daniel Martínez. Ele herdou do pai o ofício de “ladrillero” (quem produz os “ladrillos”, ou tijolos, para a construção) e há dez anos trabalha 12 horas por dia, de segunda à sexta, nos bancos de argila onde se produzem milhares de tijolos.
Daniel fabrica em média 2,5 mil tijolos por semana. A cada mil, pagam-lhe 26 dólares. Ao contrário de qualquer outra profissão, Daniel não recebe o pagamento por seu trabalho assim que termina a produção. O jovem tem de esperar até que os tijolos que produziu sejam vendidos no mercado.
Há um ano, porém, as vendas no setor da construção despencaram no México. A consequência direta para Daniel foi desastrosa: ele passa semanas inteiras sem receber um só peso como pagamento por seu trabalho.
“A crise nos afetou muito, porque o tijolo não sai (não é vendido). Além disso, nós temos de continuar produzindo e não recebemos dinheiro enquanto não se vende. Assim, há vezes em que passamos até 15 dias sem receber nada, porque nas casas de materiais de construção também não se vende nada”, explicou ele, em entrevista ao Opera Mundi.
Como Daniel, há dezenas de trabalhadores dos quais a crise econômica cobra a conta mais cara: seu poder aquisitivo, não para adquirir bens materiais, mas sim para coisas tão elementares, como comida para a família, diminuiu consideravelmente. “Precisamos nos virar para comer. Tenho de pedir fiado na loja da esquina de casa, pois de outra forma não teria como alimentar minha mulher e meu filho”, conta Daniel.
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O jovem, nascido no Estado do México, o mais povoado do país, é um dos 50,5 milhões de mexicanos que não têm renda suficiente para satisfazer necessidades básicas como saúde, alimentação, moradia, vestimenta, transporte e educação.
Em queda livre
De acordo com a última medição da pobreza, realizada pelo Conselho Nacional de Avaliação da Política de Desenvolvimento Social (Coneval) e divulgada no dia 19 de julho, o número de pobres no México aumentou em 6 milhões nos primeiros anos do governo de Felipe Calderón. O total saltou de 44,7 milhões, em 2006, para 50,5 milhões, em 2008.
Enquanto os especialistas em questões sociais atribuem este resultado à condução equivocada da política social do governo, a administração de Calderón assegura que o motivo é apenas a enorme crise econômica vivida em âmbito mundial.
O próprio presidente reconheceu há alguns dias que a economia mexicana caiu 9% e o emprego, 3%.
E a queda livre parece não ter fim, apesar dos prognósticos alentadores do gabinete econômico de Calderón. O Instituto Nacional de Estatística e Geografia (INEGI) revelou que no último ano – de junho de 2008 a junho de 2009 – 733 mil mexicanos engrossaram as fileiras do desemprego. Isto significa que já existem 2,35 milhões de mexicanos sem emprego, o que representa 5,17% da população.
Outra história, mesma realidade
Como Daniel Martínez, José Luis Nájera batalha para sobreviver a cada dia. Ele é pedreiro e, como nunca, sente a escassez de trabalho. “O governo é quem menos sofre com esta crise. As pessoas comuns, como nós, é que padecem de verdade, pois todos os produtos da cesta básica subiram mais que o dobro e o trabalho está faltando”, disse ao Opera Mundi, indignado.
José Luis lembra que, muitos anos atrás, não lhe faltava trabalho. Antes que ele terminasse uma obra, já havia outras duas à sua espera. Hoje, tudo é diferente. Às vezes ele passa quatro ou cinco dias em casa aguardando alguém chamar. “Tenho de esperar vários dias para que os patrões consigam um empréstimo bancário para começar uma obra ou terminem de economizar quinzena após quinzena”, explica.
Ele conta que foi obrigado a baixar o preço de seu trabalho para que as pessoas o contratassem. “Há um ano começaram a me pedir descontos. Tenho de ceder, pois prefiro ganhar um pouco menos a não ganhar nada. A crise nos pegou de jeito e não vejo a hora de isto acabar.”
E enquanto milhares de mexicanos lutam dia após dia para sobreviver, como José Luis e Daniel, o governo insiste em afirmar que o pior da crise já passou e logo surgirão índices positivos. O povo, enquanto isso, apenas espera.
*Texto e foto
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