“Vivemos em um mundo em que o Conselho de Segurança da ONU, os membros permanentes, todos eles, são os maiores produtores de armas do mundo, os maiores vendedores de armas do mundo e os maiores participantes de guerras do mundo. Então, eu fico me perguntando, se não cabe a nós, outros países que não somos membros permanentes do Conselho de Segurança, fazer uma mudança na ONU, colocar mais países [no Conselho]”, disse o presidente Luiz Inácio Lula da Silva em coletiva de imprensa nesta quarta-feira (26/4), durante viagem oficial à Espanha.
No dia anterior, em Portugal, Lula afirmou em discurso no Parlamento português que o Conselho de Segurança “encontra-se praticamente paralisado”. “Isso ocorre porque sua composição, determinada ao fim da Segunda Guerra Mundial, 78 anos atrás, não representa a correlação de forças do mundo contemporâneo”, disse.
A ampliação e diversificação do Conselho de Segurança da ONU vem sendo um tema central na política externa dos governos Lula, desde o seu primeiro mandato (2003-2006), quando o Brasil, junto da Alemanha, Japão e Índia, criou o G4, uma aliança entre esses países para apoiarem uns aos outros na busca por um assento permanente num dos principais órgãos das Nações Unidas. Desde 2005, o G4 vem pedindo uma reforma estrutural do Conselho.
“É claro que o mundo mudou bastante desde 1945, e muitos países almejam mais poder nas organizações internacionais. Na prática, o Brasil ganharia poder de veto e maior capacidade de negociação diplomática. Teria um outro papel na diplomacia mundial”, analisa Vitelio Brustolin, professor de Relações Internacionais da Universidade Federal Fluminense (UFF) e pesquisador da Universidade de Harvard.
Uma reforma do Conselho de Segurança ocorreu uma única vez na história, em 1965, no contexto da Guerra Fria, quando a ONU ampliou os membros não permanentes de seis para dez, mas sem alterar a concentração de poder do órgão nas mãos de apenas cinco membros permanentes: Estados Unidos, China, Rússia, Reino Unido e França.
O Conselho de Segurança
O Conselho de Segurança nasceu junto com as Nações Unidas, em 1945, com o objetivo de promover a paz mundial, assim como a Assembleia Geral, outro mecanismo fundamental da ONU, mas com função diferente.
“As decisões relativas à paz e à segurança internacionais são atribuições do Conselho de Segurança, enquanto que a Assembleia Geral pode apenas fazer recomendações sobre essas questões”, explica Brustolin.
Além disso, enquanto a Assembleia Geral é formada por todos os 193 Estados-membros da ONU, o Conselho de Segurança é composto por apenas 15 membros, sendo cinco permanentes com poder de veto (EUA, China, Rússia, Reino Unido e França) e dez não permanentes, rotativos e sem poder de veto, eleitos a cada dois anos.
“Na Assembleia Geral, um país como a Índia, com seus mais de 1,4 bilhão de habitantes, tem direito a um único voto, assim como as Ilhas Marshall, com seus 70 mil habitantes. No Conselho de Segurança, um único país com assento permanente tem o poder de se opor a todos os 14 demais membros e barrar resoluções”, exemplifica Brustolin.
Com isso, segundo a professora de Relações Internacionais da Escola Superior de Propaganda e Marketing (ESPM) Eveline Brigido, os Estados-membros permanentes têm uma posição de poder muito relevante no sistema internacional.
“Esses países [EUA, China, Rússia, Reino Unido e França] fazem parte de um grupo que tem a exclusividade para decidir sobre as questões de segurança internacional, além de formarem a agenda global de segurança. Ou seja, trata-se de posição privilegiada, que concede muito poder de barganha aos membros”, afirma.
A busca do Brasil por um assento permanente
A especialista lembra que diferentes governos brasileiros estiveram interessados em um assento permanente no órgão, mas foi somente em 1994 que tal interesse foi formalizado.
“Quem propôs explicitamente na ONU que o Brasil era candidato a membro permanente foi o diplomata Celso Amorim, em 1994, e que depois veio a ser ministro [das Relações Exteriores] no governo Lula a partir de 2003”, lembra Brigido. Atualmente, Amorim é assessor especial do Palácio do Planalto para assuntos internacionais.
THOMAS COEX/AFP
Ao lado de Pedro Sánchez, Lula afirmou que membros permanentes do Conselho de Segurança da ONU são "os maiores participantes de guerras"
Apesar das riquezas naturais do país e de sua enorme dimensão territorial, o Brasil ainda é considerado por muitos analistas periférico nos assuntos internacionais, aponta Brigido.
“Os interesses do governo em uma cadeira permanente estão relacionados ao reconhecimento do Brasil como uma potência regional, além da posição de poder e prestígio por estar no seleto grupo de países que decide as questões de segurança internacional”, afirma a especialista.
As investidas de Lula
Desde que assumiu seu terceiro mandato como presidente, em janeiro deste ano, Lula busca se apresentar ao mundo como um possível mediador da guerra na Ucrânia, na tentativa de projetar o Brasil no cenário internacional.
“Além das declarações de Lula, o assessor da Presidência Celso Amorim será enviado a Kiev, na Ucrânia, para conversar pessoalmente com o presidente Volodimir Zelenski. Anteriormente, Amorim já havia conversado com Putin em uma viagem discreta”, diz Brustolin.
No fim de março, Amorim viajou a Moscou para discutir a proposta do Brasil de criar um grupo de países para negociar a paz na Ucrânia. Poucos dias depois, durante visita ao Brasil, o ministro das Relações Exteriores russo, Serguei Lavrov, demonstrou apoio ao Brasil como membro permanente do Conselho de Segurança da ONU.
No seu segundo mandato, Lula ajudou a intermediar o acordo nuclear assinado posteriormente pelo Irã.
“Quando o governo Lula buscou intermediar, juntamente com a Turquia, um acordo nuclear com o Irã, o foco era em uma maior projeção diplomática, almejando um assento no Conselho de Segurança. O Brasil não tem armas nucleares e aderiu formalmente ao Tratado de Não Proliferação. Logo, o país tenta se destacar diplomaticamente por sua tradição pacífica”, afirma Brustolin.
Para Brigido, da ESPM, ainda é cedo para fazer uma análise minuciosa da atual política externa brasileira, mas, até o momento, os demais membros permanentes do Conselho não fazem oposição ao Brasil como possível integrante desse seleto grupo. “Por outro lado, vejo muita dificuldade em qualquer eventual reforma no Conselho de Segurança, pois isso mudaria a configuração de poder dos Estados no sistema internacional”, diz.
Conselho paralisado
Brustolin concorda com a afirmação de Lula sobre a atual incapacidade do Conselho de Segurança em resolver conflitos internacionais, e afirma que uma simples ampliação dos membros permanentes não resolveria o problema do órgão.
“Os membros permanentes têm descumprido sucessivamente a Carta da ONU, que estabelece que deve se abster de votar o membro do Conselho de Segurança que for parte em uma 'controvérsia que possa vir a constituir uma ameaça à paz e à segurança internacionais'”, diz o professor e pesquisador.
Ele lembra que o Conselho de Segurança se reuniu um dia após a Rússia invadir a Ucrânia, em fevereiro de 2022. Dos 15 membros, 11 votaram a favor de uma resolução condenando a invasão, três se abstiveram, e só a Rússia votou contra a resolução.
“A Rússia não poderia ter votado, ela descumpriu expressamente a Carta da ONU, mas países como EUA e Reino Unido perderam a legitimidade para condenar esse ato porque eles também não obtiveram a autorização do Conselho de Segurança para invadir o Iraque em 2003, e guerras de agressão são proibidas pela Carta da ONU, só sendo possíveis com a aprovação do Conselho”, diz Brustolin.
Entre os 11 dos 15 membros do Conselho de Segurança que apoiaram a resolução contra a invasão da Ucrânia pela Rússia estava o Brasil, que ocupa um dos assentos temporários do órgão até este ano.