O 1.º Seminário Internacional de Doutrina Militar Terrestre do Exército Brasileiro ocorreu nesta semana, de 30 de maio a 1º de junho. Organizado pelo Comando de Operações Terrestres (COTER), o evento buscou, segundo seus idealizadores, estudar “conceitos e linhas de esforços” para superar possíveis ameaças contemporâneas.
Entre os países convidados, na lista original, eram 34. Desses estavam representantes dos Estados Unidos, Argentina, México, Colômbia, África do Sul, Nigéria, Emirados Árabes, Israel, entre outros.
No entanto, representantes da China, por exemplo, não estavam inseridos. Uma reportagem do jornal O Estado de S. Paulo relatou que alas petistas e o Itamaraty estranharam a falta do país asiático na lista, além de defenderem que o seminário explicitava o “comprometimento político dos convidados nas operações de multidomínio do exército dos Estados Unidos”.
Após a repercussão, e a pedido do ministro da Defesa, José Múcio, o Exército incluiu representantes de Pequim entre os convidados do seminário.
Opera Mundi conversou com o deputado Carlos Zarattini (PT-SP), que já havia manifestado seu posicionamento, durante a Comissão de Relações Exteriores e Defesa Nacional da Câmara, acerca dessa possível disputa com os militares em relação à política externa do país.
Para Zarattini, não é real que haja uma pressão para que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva enquadre os militares, mas há um estranhamento de que o Ministério da Defesa organize encontros para “discutir temas militares num desenho onde o Brasil só conversa com um lado”.
“Se a gente tem uma posição de neutralidade, nós deveríamos conversar com todos os lados, com a China, Rússia, com todos”, disse.
Segundo o deputado, é importante que o Brasil mantenha trocas de informações militares. Porém, destaca a importância que a relação do Brasil com “todos os países seja preservada”. “Talvez o Brasil devesse elaborar essas conferências de uma outra forma. Eu não sei nem se é conveniente fazer um encontro desse no momento atual”, afirmou Zarattini.
Exército Brasileiro/Comando de Operações Terrestres
1.º Seminário Internacional de Doutrina Militar Terrestre do Exército Brasileiro ocorreu nesta semana, de 30 de maio a 1º de junho
Leia a entrevista de Opera Mundi com o deputado Carlos Zarattini na íntegra:
Opera Mundi: deputado, está sendo veiculado que existe uma pressão de petistas e do Itamaraty para que o presidente Lula enquadre alas militares no que tange à política externa do país. Essa disputa é verdadeira?
Carlos Zarattini: uma pressão que não é verdade, não ocorre. O que ocorre é que alguns deputados, eu inclusive, estranhamos muito que o Ministério da Defesa, particularmente o Exército, organizem encontros, conferências, para discutir temas militares, num desenho onde o Brasil só conversa com o lado, vamos dizer da Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan), e não dialoga com o outro lado. Porque se a gente tem uma posição de neutralidade, nós deveríamos conversar com todos os lados, com a China, Rússia, com todos.
Na sua avaliação, quais os perigos da falta de uma estratégia nacional de defesa ancorada na neutralidade, como vem defendendo o governo?
A Otan, por exemplo, tem trabalhado muito para armar a Ucrânia e não está fazendo nenhum movimento em direção à paz, está fazendo um movimento de reforçar os armamentos da Ucrânia para enfrentar a Rússia. Então, e o próprio papo do Volodymyr Zelensky é só esse, de ter apoio militar.
Se é para o Brasil e o Ministério da Defesa ouvir as opiniões sobre a conjuntura militar mundial, não pode ficar restrito a uma visão. Então, nós temos que articular a nossa proposta de relações exteriores, o nosso posicionamento de neutralidade, de negociação pela paz, nesse âmbito militar também.
O 1.º Seminário Internacional de Doutrina Militar Terrestre do Exército Brasileiro ameaçou a neutralidade brasileira em relação à guerra na Ucrânia, por conta de quem foi convidado?
Não ameaça a neutralidade brasileira porque a posição do Brasil é definida pelo presidente da República. Então, de forma alguma não existe uma ameaça à posição de neutralidade, mas é estranho por conta dessa posição. Talvez o Brasil devesse elaborar essas conferências de uma outra forma. Eu não sei nem se é conveniente fazer um encontro desse no momento atual.
Então, na sua opinião, não havia necessidade desse seminário?
Eu acho que é extemporâneo. É importante que a relação do Brasil com todos os países tenha que ser preservada, inclusive trocando informações militares. Mas é necessário que isso se dê num contexto mais amplo. Então, acredito que nesse momento aqui, dessa forma, não foi conveniente.
A lista original de convidados para o seminário não incluiu a China. A pedido do ministro da Defesa, José Múcio, o Exército chamou representantes chineses para o evento. Esse convite pode ter sido por alguma pressão do Itamaraty e também dos petistas?
Não vamos dizer por pressão do Itamaraty, não sei, não sei o que o Itamaraty fez, mas acho que foi muito positivo eles terem convidado, não sabia, não tinha essa informação.
A Ucrânia solicitou ao Ministério da Defesa do Brasil a compra de veículos blindados Guarani em versão ambulância. Uma matéria do jornal O Estado de S. Paulo diz que o governo brasileiro não teve conhecimento desse pedido. É preocupante que a pasta não tenha informado ao governo brasileiro em relação a essa solicitação ucraniana?
Bom, o Ministério da Defesa é parte do governo. E o que precisa ter é uma informação interna melhorada. Esse tipo de coisa tem que ser bem clara. Esse tipo de venda, ela incide nas relações diplomáticas. Tem que haver dentro do governo um canal de decisão que seja compartilhado. Entre vários órgãos, como os Ministérios da Relação Exterior, Defesa, Casa Civil.
O presidente Lula tem defendido o diálogo entre as partes para o fim do conflito. O senhor também compartilha desse posicionamento? Esse é o caminho que o Brasil deve tomar?
Isso. O presidente está postulando que haja um cessar-fogo e a partir desse cessar-fogo sentem as partes numa mesa para negociar uma solução. Eu acho que é o caminho correto.