Dina Boluarte é uma “presidente espúria”, “usurpadora” e que expressa “ódio classista e racista contra os povos indígenas”, num país multinacional onde os resultados eleitorais não são respeitados, nem a “democracia”. “O povo de Peru é grande demais para um governo tão pequeno”. São frases ditas pelo presidente do México, Andrés Manuel López Obrador, e que impactaram o Peru e toda região da América Latina.
Tudo começou em 7 de dezembro de 2022, quando o governo mexicano decidiu conceder asilo político ao já ex-presidente Pedro Castillo e sua família.
Devido uma ação policial pouco clara, o mandatário destituído acabou atrás das grades e sua família fugiu para o México. Desde então, a tensão política entre Lima e Cidade do México foi profusa e repleta de disputas que tiveram seu primeiro desfecho com a decisão de não entregar a Presidência pró tempore da Aliança do Pacífico à Boluarte, não só por considerar que ela lidera um regime antidemocrático, mas também por entender que ela se prestou ao jogo sujo da extrema direita no processo de impeachment de Castillo.
O governo peruano, fora de si e com sintomas de descontrole, acusou Obrador de intromissão em assuntos internos e, sem argumentos válidos, expulsou o embaixador mexicano em Lima. Semanas depois, pediu a um Congresso Nacional, com 92% de desaprovação da cidadania, que rifasse ainda mais sua imagem e aprovasse uma moção para declarar o presidente do México como “persona non grata”.
Qualquer diplomata de bom senso teria aproveitado melhor as circunstâncias, mas a gestão de Boluarte preferiu apostar no insulto, deixando o país em maus lençóis.
Ao seu estilo, Obrador zombou da decisão do Congresso, acusando-a de ilegítima e anunciando que, diante das circunstâncias, não vê razão para manter “relações econômicas e comerciais” com um governo que precarizou a democracia. Como era de se esperar, os principais intervenientes, os empresários e seus porta-vozes, elevaram aos céus as suas orações para que tal decisão não se concretizasse.
De qualquer forma, as relações tradicionalmente amigáveis e colaborativas entre os dois países foram prejudicadas.
Revelando mitos sobre o comércio entre Peru e México
Porta-vozes de grupos empresariais peruanos e mexicanos, esses gigantescos conglomerados que mantêm complexos arranjos comerciais, ameaçam os dois governos, dizendo que, se a medida de Obrador foi aplicada, estariam em risco cerca de US$ 2,8 bilhões, tomando como base os resultados do intercâmbio comercial entre os dois países no ano de 2022.
Porém, deve-se explicar que, desse total, US$ 2 bilhões correspondem a exportações mexicanas ao Peru, enquanto US$ 844 milhões são exportações peruanas ao México. Claramente, temos uma balança comercial negativa para Lima.
O Peru compra do México produtos de alto valor agregado, como caminhões, tratores, automóveis, minerais semi-industrializados de prata e cobre, computadores, barras de aço para construção, entre outros. Os mexicanos compram alimentos peruanos sem muito valor agregado, como pimenta, uva, óleos e azeites. Novamente, é fácil deduzir a razão dessa balança comercial terrivelmente negativa.
Se observarmos os números fornecidos pelo governo mexicano, teremos uma ampliação desse panorama. O que o Peru vende para o México representa apenas 0,17% de tudo o que o México importa de diferentes países. O que o país norte-americano vende ao andino representa menos de 0,32% de suas exportações. Ou seja, estamos falando de volumes que não têm importância para o México.
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Desgaste em relação bilateral começou quando México decidiu conceder asilo político a Castillo e sua família
A evolução desse intercâmbio comercial também não gera entusiasmo. Entre 2014 e 2022, as exportações do México para o Peru tiveram um crescimento magro de 4%, enquanto as exportações do Peru para o México, no mesmo período, cresceram apenas 6%.
Em oito anos, com a Aliança do Pacífico em pleno vigor, não houve sinais de incremento comercial entre os dois países.
Mesmo assim, o México é o terceiro parceiro comercial mais importante do Peru na América Latina, atrás do Brasil e do Chile. E o Peru é o quarto parceiro comercial do México na região, depois de Brasil, Colômbia e Chile. As posições no ranking parecem animadoras, mas voltamos à frustração ao verificar os pequenos volumes e valores envolvidos.
Em todo caso, para o Peru, sua disputa com o México não está sendo nada agradável, por uma clara falta de cálculo político e diplomático.
Mas quando falamos de investimentos estrangeiros diretos é outra história. Segundo os especialistas, estariam em risco cerca de US$ 17 bilhões – com um pouco de exagero – de investimentos mexicanos no Peru, não só pela “guerra de guerrilhas” entre Obrador e a ditadura de Boluarte, mas também pela absoluta precariedade da classe política peruana, que não oferece segurança nem confiança.
A cifra estipulada é atribuída às poderosas empresas mexicanas que operam no Peru: Grupo México, América Móvil, empresa transnacional de comunicações e dona da Claro, Grupo Salinas, Arca Continental, engarrafadora de Coca-Cola e outros refrigerantes, entre outros.
A Aliança do Pacífico será afetada?
A Aliança do Pacífico é realmente importante na relação entre Peru e México? A entidade iniciou suas operações em 2015 e sua principal agenda, relacionada à expansão de mercados, ainda está pendente. Ou seja, um mercado ampliado para grandes empresas que, na verdade, são as usuárias da aliança, enquanto os países aguardam uma recompensa que nunca chega.
Não só está pendente o aspecto comercial, mas também o componente geopolítico, que visava enfraquecer o funcionamento do Mercosul e da Comunidade Andina, devido ao seu “pecado original” de terem sido promovidos por regimes de esquerda ou progressistas.
A Aliança do Pacífico é um bloco composto originalmente por Colômbia, Peru, Chile e México, que abriga 230 milhões de pessoas, as quais poderiam se beneficiar de seu sucesso, se os governos decidissem dar sentido social e de desenvolvimento ao comércio promovido pela mesma.
Mas não, o objetivo é, somente, simplificar ao máximo os trâmites aduaneiros e protocolos de comércio internacional entre seus membros, ou seja, entre as empresas que o promovem, e harmonizar as exigências regulatórias do comércio entre os quatro países, para que os empresários possam operar com garantias de expansão de seus níveis de lucro.
É verdade, porém, que a entidade chamou a atenção do mundo. Até o momento, ela conta com mais de 70 países observadores e está em andamento o processo de adesão de Equador e Costa Rica como membros plenos.
Em fevereiro de 2023, Cingapura se tornou o primeiro Estado associado à Aliança do Pacífico. Talvez por isso, e para não prolongar o conflito, Obrador anunciou que entregará a Presidência pró tempore da organização ao presidente do Chile, Gabriel Boric.