A presidente do Peru, Dina Boluarte, apresentou nesta quinta-feira (02/02) o segundo projeto de iniciativa do Poder Executivo para tentar antecipar as próximas eleições gerais, originalmente programadas para abril de 2026. Essa é a quarta proposta em debate no país.
A proposta do governo prevê uma antecipação de dois anos e meio do calendário eleitoral, para que o pleito aconteça em outubro de 2023, com possível segundo turno em novembro. Assim, a atual mandatária entregaria o cargo no primeiro dia de janeiro de 2024.
Esse novo mandato duraria quatro anos e meio, até 28 de julho de 2028. Seria considerado um “mandato tampão”, já que os períodos presidenciais no Peru duram cinco anos [sem direito a reeleição], e o presidente seguinte [que será eleito em 2028] estaria sujeito a essa regra [portanto, seu mandato iria até 2033].
Essa proposta é parcialmente alinhada com as demandas dos movimentos sociais que vêm se manifestando quase diariamente desde o dia 10 de dezembro, quando se iniciou a crise política peruana, após a destituição do ex-presidente Pedro Castillo.
As organizações civis querem que a eleição aconteça ainda em 2023 – inicialmente, a exigência era para que fosse no primeiro semestre do ano, mas houve uma flexibilização com o passar das semanas. Porém, também desejam que seja realizado, no mesmo dia do primeiro turno, um referendo para a convocação de uma Assembleia Constituinte, que substitua a atual Carta Magna do país, imposta em 1993 pelo então ditador Alberto Fujimori.
O novo projeto da presidente Boluarte é o quarto a ingressar no Congresso, e tampouco inclui a realização de uma Assembleia Constituinte, situação que pode levá-lo a ter o mesmo fracasso que os anteriores.
As outras três propostas que já tramitam no Legislativo peruano são as seguintes:
Proposta fujimorista
Apresentada pelo congressista Hernando Guerra García, do partido Força Popular (direita fujimorista), que também é presidente da Comissão de Constituição do Congresso unicameral peruano, previa eleições em outubro de 2023, possível segundo turno em novembro, mas sem referendo constituinte.
A iniciativa é quase idêntica a que foi apresentada nesta quinta pelo governo, com a diferença de que daria um ano a mais de mandato aos eleitos este ano, que exerceriam seus cargos entre 1 de janeiro de 2024 e 28 de julho de 2029.
Porém, o projeto já foi votado duas vezes, e rechaçado em ambas as oportunidades: na primeira, em 27 de janeiro, teve apenas 45 votos favoráveis, na segunda, nesta quarta-feira (01/02), chegou a 54 apoios, ainda longe dos 87 necessários (de um total de 130) para a aprovação.
Proposta liberal
Outro projeto que circula pelo Congresso é o apresentado por outro partido de direita, o Avança País (direita liberal), que defende novas eleições em dezembro de 2023, um possível segundo turno em fevereiro de 2024, para que os representantes [presidente e congressistas] eleitos nesse pleito assumam no mês seguinte, março de 2024, com mandato até julho de 2028.
Presidencia del Perú/Twitter
Dina Boluarte apresentou nesta quinta-feira (02/02) segundo projeto de iniciativa do Poder Executivo para tentar antecipar eleições
A proposta é patrocinada pelo presidente do Congresso, José Williams, que é do partido autor do texto. Contudo, assim como a iniciativa fujimorista, esta também não prevê a realização de um referendo constituinte.
A curiosidade a respeito dessa proposta é que ela está tramitando a mais tempo que o projeto fujimorista, mas ainda não passou por nenhuma votação. Chegou a entrar na pauta do dia em três oportunidades, a última delas na última segunda-feira (30/01).
Porém, em todos esses casos, a mesa diretora do Congresso [liderada por Williams] a retirou da agenda na última hora [segundo a imprensa local, devido a que a liderança detectou que carecia de votos para ser aprovada].
Primeiro projeto de Boluarte
O primeiro projeto apresentado pela presidente Boluarte foi o único que já venceu uma votação até agora.
No dia 21 de dezembro, o Congresso aprovou, com 93 votos a favor, uma proposta para que as eleições acontecessem em abril de 2024, com um possível segundo turno em junho do mesmo ano e mandato entre julho de 2024 e julho de 2028.
Essa proposta, porém, ficou congelada no Legislativo. Apesar do Congresso peruano ser unicameral, algumas reformas requerem aprovação em primeiro e segundo turnos para serem efetivadas, como as reformas constitucionais, e este seria o caso.
Mas o consenso político inédito dessa iniciativa não foi suficiente para acabar com a crise no país, já que faltou o consenso social.
A primeira aprovação, ainda em dezembro de 2022, não acalmou os ânimos das manifestações, que continuaram exigindo que as eleições se realizassem em 2023. Isso fez com que o Congresso retirasse a urgência em sua tramitação. Logo, ela seria esquecida devido a apresentação de novas propostas sobre o tema.
No entanto, alguns analistas políticos consideram que ela ainda pode ser retomada, caso os novos projetos para realizar as eleições em 2023 não obtenham o quórum necessário.
Posição da esquerda
Os partidos de esquerda, como o Peru Livre [que elegeu o ex-presidente Castillo em 2021] e o Juntos Pelo Peru [liderado pela antropóloga Verónika Mendoza, duas vezes candidata presidencial] defendem a realização das eleições em 2023, desde que se acrescente um referendo constituinte, para que este ocorra no mesmo dia do primeiro turno.
Até o momento, os dois partidos votaram contra as iniciativas apresentadas para antecipar o pleito. A esquerda peruana considera que não possui força parlamentar suficiente para impulsionar um projeto próprio, mas anceia negociar com os autores das iniciativas que tramitam atualmente, esperando que algum deles se abra à possibilidade de incluir o referendo em seu projeto.
A postura da esquerda foi explicada pela congressista Ruth Luque, líder da bancada do Juntos Pelo Peru, que manifestou a posição do partido nesta quarta, quando aconteceu a segunda votação [e a segunda rejeição] do projeto fujimorista: “a antecipação das eleições sem a inclusão de um referendo constituinte só interessa aos congressistas que querem garantir uma reeleição fácil em 2023”.