Jari Dixon Herrera, que incursiona pela primeira vez na política como candidato a deputado pelo partido Libre (Liberdade e Refundação) é advogado e, como ele mesmo se define, um “lutador social”. Ele entrou muito cedo no Ministério Público convencido de que, ali, poderia combater os males que espreitam Honduras. Herrera narrou todo o calvário que sofreu, a partir do violento choque entre o que eram seus sonhos de jovem advogado e a trágica realidade de um “sistema de justiça corrupto que gera impunidade.”
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Giorgio Trucchi/Opera Mundi
Jari Dixon Herrera: “Depois de tudo o que eu vi e vivi, decidi entrar para a política para levar a luta social ao Congresso Nacional”
“Entrei no Ministério Público como qualquer jovem que quer ter um trabalho, fazer as coisas bem, cumprir com seu trabalho dentro da instituição. Pensava que dali poderia dar um apoio à sociedade para libertá-la da criminalidade, mas nos demos conta que somente éramos usados para enfrentar as pessoas de baixos recursos econômicos que cometiam crimes, mas não os de alto poder econômico e político”, disse a Opera Mundi.
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Com o passar do tempo, Dixon foi se envolvendo cada vez mais na denúncia das irregularidades cometidas no sistema judiciário, assumiu a vice-presidência e, depois, a presidência da Associação de Promotores de Honduras. Cansado de tanta impunidade e corrupção, em abril de 2008, junto a seus colegas Soraya Morales, Luis Javier Santos e Víctor Fernández deu início a uma greve de fome, os quatro instalados em uma pequena barraca na frente do Congresso Nacional.
Por meio de seu protesto, que durou mais de um mês, queriam chamar atenção da população, e assim forçar os diferentes poderes do Estado a tomar medidas sérias e contundentes contra o tráfico de influências e a corrupção instalada no sistema legal hondurenho.
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“Havia ordens de cima para engavetar notórios casos de corrupção contra altas personalidades da política ou ex-funcionários. Dessa forma, tomei conhecimento da gravidade da situação e do porquê de tantos problemas sociais, da fome, da miséria, da falta de educação e de saúde”, lembra-se.
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Impunidade
Naquele momento, Víctor Fernández, atual advogado de defesa de vários “lutadores sociais”, como a dirigente indígena Bertha Cáceres e a dirigente camponesa Magdalena Morales, declarou à imprensa alternativa que o Ministério Público era “uma instituição inoperante, que contribui para gerar impunidade no país” e que exigiam “um ato de responsabilidade, exercendo ações penais contra as elites políticas e econômicas do país, historicamente questionadas.”
“Foi durante a greve de fome que percebi que o verdadeiro problema não era a instituição, mas um sistema que não iria permitir que, por meio de um protesto, fosse possível alcançar um sistema melhor de administração da justiça ”, disse Dixon.
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O protesto não conseguiu mudar as coisas, mas despertou atenção internacional para a debilidade e a ineficiência do sistema de justiça em Honduras. Um feito que foi confirmado publicamente em abril do ano passado quando, dois meses antes de apresentar sua renúncia irrevogável, o então procurador-geral Luis Alberto Rubí admitiu no plenário do Congresso Nacional que o Ministério Público tinha capacidade para investigar apenas 20% dos assassinatos, enquanto 80% permaneciam totalmente impunes.
Golpe
O golpe de Estado que, em 2009, derrubou o presidente Manuel Zelaya, esgarçou ainda mais o tecido institucional e trouxe à tona todas as contradições que existiam na sociedade hondurenha. “Já tínhamos criado o MADJ (Movimento Amplo pela Dignidade e pela Justiça) e o golpe contribuiu para que eu entendesse que o protesto, a mobilização e a denúncia não eram suficientes, teríamos que tomar o poder político se quiséssemos promover mudanças verdadeiras no país.
Wikicommons
Manifestantes protestam em Tegucigalpa contra golpe de Estado, em 2009, que derrubou o presidente Manuel Zelaya
Dixon foi um dos poucos promotores que se uniram à resistência contra o golpe de Estado e que foram às ruas protestar e denunciar o que estava acontecendo. Em novembro de 2009 foi afastado de seu cargo, supostamente por ter se envolvido em atos políticos, fato que ele considerou uma represália por ter mostrado publicamente sua oposição à ruptura da ordem constitucional.
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Depois de interpor vários recursos perante as autoridades judiciais e de ter permanecido quase quatro anos sem salário, em abril de 2013 o Ministério Público lhe notificou a dispensa formal. “Depois de tudo o que eu vi e vivi, decidi entrar para a política porque estou convencido de que se pode levar a luta social ao Congresso Nacional, buscando uma verdadeira transformação e refundação do sistema de justiça”, afirmou.
Refundar a justiça
Em seu programa, Dixon coincide amplamente com a proposta do partido que no domingo (24/11) poderia levá-lo a ocupar uma cadeira no Congresso. “É necessário tornar o sistema de justiça independente da classe política e buscar outros meios de seleção de promotores e juízes, para que este setor possa cumprir o que diz a Constituição, sem que faça diferença quem seja ou de onde venha e pessoa acusada.”
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Para o ex-promotor, esse ponto seria apenas o começo de um processo que deve ser muito mais amplo e profundo, e que aborde uma mudança do sistema educativo, para que volte a ensinar as pessoas a pensar, fazer análises, a ter críticas construtivas e a tirar conclusões. “É necessário ir novamente às raízes do problema educacional, para que tenhamos uma nova geração de homens e mulheres. Não vai ser fácil, mas é uma luta que devemos empreender porque se não o fizermos, Honduras nunca vai mudar”, concluiu.