O presidente chileno Gabriel Boric assistiu na última terça-feira (06/06) ao concerto do cantor e compositor brasileiro Caetano Veloso, no Teatro Municipal de Santiago, parte da turnê do disco “Meu Coco”, lançado em 2021.
Apesar de ter acontecido há três dias, a presença do mandatário chileno no espetáculo voltou a repercutir nesta sexta-feira (09/06) devido a uma imagem sua durante o evento, no qual ele aparece fazendo a letra “L” com os dedos, reproduzindo o “faz o L”, slogan assumido pelos simpatizantes de Lula na campanha presidencial de 2022.
O gesto de Boric pode ser lido como uma tentativa de reaproximação com Lula após a crítica que o chileno manifestou durante sua visita a Brasília, na reunião dos presidentes da América do Sul, em 30 de maio.
Na ocasião, em entrevista coletiva aos meios chilenos presentes na capital brasileira, Boric questionou a postura expressada por Lula no dia anterior, quando disse que não considerava o governo de Nicolás Maduro na Venezuela como uma ditadura.
“Não é só uma narrativa, é uma realidade e eu tive a oportunidade de vê-la com meus próprios olhos, a dor de centenas de milhares de venezuelanos que estão hoje em nosso país e que exigem uma posição firme e clara a respeito dos direitos humanos, que devem ser respeitados sempre, em todos os lugares, independente do viés político do seu governante”, alegou Boric.
Desde então, alguns meios chilenos repercutiram a reação negativa que as declarações de Boric tiveram no governo brasileiro, e avaliaram que o Palácio de La Moneda buscava uma estratégia para que o mandatário chileno pudesse recuperar a relação com Lula, o que poderia explicar o gesto de “fazer o L” em um show de um dos mais icônicos artistas brasileiros.
Boric esteve presente no show de Caetano Veloso na capital chilena (Reprodução)
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Chile e Venezuela
A postura crítica com relação à Venezuela não parte só do presidente Boric, como também é compartilhada por boa parte da esquerda chilena, especialmente dentro dos partidos da coalizão Frente Ampla (Convergência Social, Revolução Democrática, Partido Humanista, entre outros).
Contudo, até mesmo políticos do Partido Comunista do Chile, aliado do atual governo e histórico defensor do chavismo na Venezuela, têm evitado declarações sobre o governo de Maduro ou a situação política nesse país.
Essa situação acontece devido ao enorme número de migrantes venezuelanos no Chile, desde o segundo governo de Sebastián Piñera. Em fevereiro de 2019, o antecessor de Boric iniciou uma política de fronteiras abertas aos venezuelanos que queriam fugir do país em função dos problemas econômicos, e que passaram a ser considerados “refugiados” por Santiago.
Apenas dois anos depois, os venezuelanos já eram a maior comunidade migrante no país. Um informe de 2021, do Instituto Nacional de Estatísticas do Chile (INE), afirma que os migrantes venezuelanos no Chile são pouco mais de 450 mil, representando 30% dos cerca de 1,5 milhão de migrantes residentes no país do Cone Sul.
A presença massiva dos migrantes venezuelanos têm sido usada pela extrema direita para fortalecer sua imagem no país com um discurso anti-imigração, e também para dizer que modelos de esquerda, como o da Venezuela, fracassaram. Essa narrativa, e o crescimento dos seus autores nas pesquisas de opinião, têm intimidado grande parte dos movimentos e partidos progressistas chilenos, que preferem evitar ou tergiversar quando encaram perguntas sobre o assunto.
No entanto, algumas figuras da esquerda chilena ainda se atrevem a contestar a posição de Boric sobre a Venezuela. Um deles é o ex-senador Alejandro Navarro, do partido Esquerda Socialista.
A Opera Mundi, ele disse que “a denúncia de Boric, dada a gravidade das suas palavras e ao fato de que foi expressada em um evento de chefes de Estado, deveria obrigá-lo a apresentar provas, nomes e evidências das tais violações aos direitos humanos. E, ao não fazê-lo, fica evidenciado que ele só está repetindo o discurso dos meios de comunicação hegemônicos”.
“Há anos eu venho questionando a direita chilena e parte da esquerda que acusa a Venezuela de cometer violações aos direitos humanos, exigindo que apresentem ao menos uma denúncia específica, com provas, para que possam ser entregues a um tribunal internacional, e nunca obtive resposta”, acrescentou o ex-senador.