O presidente brasileiro Jair Bolsonaro vai chegar a Los Angeles, para participar da Cúpula das Américas, e encontrar um cenário de poucos amigos. Na segunda cidade mais populosa dos Estados Unidos (atrás de Nova York), vai se encontrar com o Joe Biden.
Será o primeiro contato como o presidente norte-americano após a invasão do Capitólio. O brasileiro, indiretamente, apoiou o vandalismo estimulado por Donald Trump, derrotado nas urnas. Desde antes de Bolsonaro embarcar, caminhões circulavam na cidade ostentando a pergunta hoje feita no mundo inteiro: “onde estão Dom e Bruno?”
Na tarde de terça-feira (07/06), a referência ao jornalista inglês Dom Phillips e ao indigenista Bruno Araújo Pereira, desaparecidos há três dias na região do Vale do Javari, na Amazônia, era uma entre outras mensagens de protesto contra o presidente do Brasil. Um caminhão com telas de LED também podia ser observado nas ruas da cidade da Califórnia onde fica Hollywood. “Fuera, Bolsonaro“, “Bolsonaro loves Trump” (Bolsonaro ama Trump) e “Don’t trust Bolsonaro” (não confie em Bolsonaro) era algumas das mensagens expostas.
Os protestos são de organizações brasileiras e internacionais que não identificam seus integrantes para evitar represálias. Segundo eles, Bolsonaro chegará a Los Angeles acompanhado de “péssima reputação ambiental e desprezo pelas instituições democráticas”. A ideia é que as mensagens cheguem a Biden.
Bolsonaro “é um anátema”
Dezenas de entidades da sociedade civil enviaram uma carta de alerta ao presidente democrata: “Sr. Presidente Joe Biden, o homem que você convidou para um diálogo especial é um anátema de valores críticos que a maioria dos norte-americanos preza”, avisam os missivistas. O grupo expressa preocupação de que Bolsonaro esteja usando sua próxima reunião com Biden para “alegar falsamente que seu governo endossa seus ataques à democracia, a eleições livres e justas, ao meio ambiente, à ciência, aos direitos humanos básicos e à Amazônia”.
Para Reginaldo Nasser, do Departamento de Relações Internacionais da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), os protestos serão o único saldo positivo da ida de Bolsonaro à Cúpula das Américas. Pelo menos para as organizações ambientalistas, ligadas a direitos humanos e à sociedade civil.
Isso porque, na opinião do professor, a tendência é a Cúpula não dar em nada. Biden fez questão da presença de Bolsonaro por saber, de antemão, que a reunião estaria esvaziada. Nada menos do que oito países estarão ausentes do encontro. Segundo os bastidores, o brasileiro teria aceitado ir à Cúpula sob a condição de não ser pressionado por assuntos delicados, como a questão ambiental.
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Protestos e referências ao jornalista inglês Dom Phillips e ao indigenista Bruno Araújo Pereira são vistos em Los Angeles
Mas o desaparecimento de Dom e Bruno e o próprio Bolsonaro atropelaram os fatos. Na terça, o presidente brasileiro voltou a sugerir fraude na eleição que levou Biden à Casa Branca, dizendo ter um “pé atrás” sobre o pleito. A embaixada dos Estados Unidos no Brasil reagiu, dizendo, em nota, que “os EUA têm orgulho da longa história de eleições livres, justas e confiáveis que passam por um processo minucioso e resistem ao desafio do tempo”.
Cúpula das Américas é “teatro”
Já quanto à Cúpula das Américas em si, se para Bolsonaro o evento pode servir para ele ter uma foto com Biden para mostrar na campanha, o professor da PUC manifesta absoluta descrença de que tenha alguma importância para os norte-americanos. Não é em cúpulas que se decide se a América Latina vai ou não continuar quintal dos Estados Unidos. “É no plano econômico, por exemplo. Política, na Grécia, vem da ideia de teatro. Cúpula é teatro, uma representação. Tem mentira, tem verdade. Mas não resolve nada”, diz Nasser.
Para ele, na prática, os interesses dos Estados Unidos, hoje, são muito diferentes do que se esperava no início do atual governo de Washington. A sinalização para encontrar com Bolsonaro não é algo isolado (o norte-americano enviou o assessor especial da Casa Branca, Chris Dodd, para convencer o brasileiro a ir a Los Angeles). Biden faz o mesmo movimento com a Arábia Saudita, país que ele próprio acusou de “ditadura sanguinária”, e agora pretende visitar, talvez no final de junho.
Segundo a própria Casa Branca, o assassinato do jornalista Jamal Khashoggi, em 2018, no consulado da Arábia Saudita em Istambul, teria sido autorizado pelo príncipe saudita Mohamed bin Salman, dono do poder de fato no país.
“Biden vai falar com Bolsonaro, e ao mesmo tempo afrouxa com a Venezuela, porque precisa de petróleo, tem a guerra na Ucrânia etc. É pragmatismo, não é esquerda ou direita. Grandes potências fazem o que querem, quando querem. Kissinger fazia a mesma coisa”, diz Nasser, referindo-se ao poderoso secretário de Estado dos Estados Unidos, Henry Kissinger, nos governos de Richard Nixon e Gerald Ford, de 1973 a 1977.
Cúpula dos Povos
Além dos protestos já em andamento, a sociedade civil organiza a Cúpula dos Povos esta semana, que promoverá discussões, workshops e palestras de quarta-feira (08/06) até sexta-feira (10/06). As organizações pretendem realizar uma “grande marcha” ao centro de Los Angeles na sexta, onde Biden receberá os líderes latino-americanos.