Neste Dia Internacional da Mulher, as saarauis propõem ampliar a discussão sobre liberdades individuais, quando não se têm o direito soberano ao território. O Saara Ocidental é considerada a última colônia da África: desde o século 19 até 1975 esteve sob dominação do reino da Espanha e vive novamente em guerra contra a invasão do Marrocos.
“O trabalho é o mesmo, enquanto não tivermos o direito ao nosso território, trabalhamos em dobro”, defende Chaba Seini, secretária geral da União de Mulheres Saarauis (UNMS).
A organização foi criada em 1974, apenas um ano após a Fundação da Frente Polisário, demonstrando o peso da vanguarda feminina na luta pela independência do Saara Ocidental.
A UNMS faz parte da Marcha Mundial das Mulheres e ocupou a sua vice-presidência durante quase uma década.
Apesar de ter uma história de protagonismo político no seu país e no âmbito internacional, as mulheres saarauis relatam que ainda existem barreiras culturais a serem vencidas, sobretudo quando se trata da relação das mulheres com a religião.
“O islam não foi criado contra a mulher, nem contra o homem, mas cada um pratica do seu ponto de vista. A mulher saaraui sempre foi muçulmana, mas nunca deixou que o islam fosse uma barreira para o seu trabalho ou para o que ela queira fazer”, explica Chaba.
Por ser construída a partir de uma sociedade nômade, a República Saaraui sempre adotou uma leitura liberal do Alcorão.
“Obviamente o problema é que temos um enfoque ocidental, com um feminismo ocidental pouco inclusivo não só com as mulheres muçulmanas, mas com as mulheres racializadas. Seguimos aplicando padrões coloniais no feminismo”, diz Tesh Sidi, jovem saaraui.
Mas adverte: “a mulher saaraui não está livre dos padrões patriarcais que também se expressam numa sociedade tribal de pessoas que vivem no exílio”.
Tesh é mais um exemplo da autonomia das mulheres saaarauis. Filha de dois refugiados, o pai foi oficial do Exército Popular durante 17 anos e a mãe assumiu o trabalho do cuidado e alfabetização dos sete filhos. Ao finalizar o ensino médio, Tesh deixou os acampamentos de refugiados em Tindouf, Argélia, para estudar na Espanha. Hoje é engenheira informática especializada em big data (grande processamento de dados) e fundou o portal Saharawis Today para informar o mundo sobre a resistência do seu povo.
“Nós sempre respeitamos muito o homem saaraui e fomos respeitadas. Isso não começou com a revolução, o povo saaraui é assim”, complementa Chaba Seini.
As mulheres também foram as responsáveis por manter viva a cultura saaraui, através da transmissão oral e da prática cotidiana.
Michele de Mello / Brasil de Fato
Jovem saaraui no acapamento de refugiados de Dajla, fronteira entre Argélia e o Saara Ocidental
“Salam Aleikum achalcum iyak labas achkif alaila umunan yyak ala labas” a saudação é uma expressão da calidez do povo saaraui e significa: “Olá, como está você, como vai a sua família, como está a sua saúde e a da sua família”, e mesmo sem o controle do Saara Ocidental e em situação de refúgio, os saarauis mantêm a saudação de povo nômade.
Ao chegar no acampamento de Dajla, as mulheres recepcionam com demonstrações de afeto. Entregam uma Melhfa (vestimenta saaraui), que ajuda a proteger-se do sol e da areia do deserto do Saara.
Além disso, é costume receber visitas, oferecer creme para as mãos e perfume para o corpo. As Jaimas (tendas) também são perfumadas por incensos a cada momento em que é preparado o chá saaraui – outro ritual mantido. No Saara Ocidental cada pessoa deve tomar três copos de chá: o primeiro amargo como a vida, o segundo doce como o amor e o terceiro suave como a morte.
Em um ambiente reservado, apenas com mulheres, as saarauis cantam suas músicas de resistência, dançam e desenham arabescos com henna nas mãos, braços e rosto, o que reforça sua identidade.
“Para nós a cultura é muito importante, porque é o que nos diferencia dos marroquinos que insistem em invadir o nosso território e tentam apagar a nossa história”, conta a ministra de Cooperação Fatma Mehdi.
A tradição, neste caso, também caminha junto a uma visão moderna do islã. Em Dajla é comum haver jovens que não têm interesse em casar-se ou ter filhos e, no entanto, o fato não é um tabu para a sociedade saaraui.
“Em nossa cultura sempre processamos o islã de uma maneira livre, individual e muito respeitosa”, relata Tesh Sidi.
Para as novas gerações, apesar das conquistas históricas e do papel protagonista da mulher saaraui, é necessário que se avance em outros pontos.
“É importante ser crítico. Há que reconhecer as conquistas, mas não podemos nos perder. A estratégia da mulher saaraui deve ser ocupar posições políticas determinantes e que mostrem a força da mulher saaraui para além do cuidado com a família”, defende a engenheira Tesh Sidi.
Para Chaba Seini, a mulher saaraui sabe que deve lutar até que conquiste sua independência. “Estamos preparadas para tudo. A Frente Polisario abriu toda a organização para que as mulheres exerçam o papel que quiserem”, disse.
“Eu confio nas mulheres do meu povo e vamos seguir adiante. O povo saaraui vencerá. Isto é um fato histórico que acontecerá”, conclui Tesh Sidi.