Ingrid Betancourt é por excelência a personagem do conflito armado na Colômbia, mas Clara Rojas, sua ex-companheira de carreira política e também de cativeiro no interior da selva colombiana, onde estiveram seqüestradas pelas Farc durante longos anos, não aparenta menos francesismo nas maneiras. Sentada de pernas cruzadas numa confortável poltrona do hotel mais luxuoso de Bogotá, Clara se mostra polida, ponderada, calma e elegante nos gestos, nas palavras e nas roupas – alta e esbelta em um vestido tipo coquetel sob um blazer, salto alto e meias de seda. Tudo fino, da melhor qualidade.
Clara é a imagem do equilíbrio. Embora tenha se tornado conhecida ao gerar e parir um filho na esterilidade do conflito armado, não se vêem nela cicatrizes do seqüestro. Assim como a cicatriz do parto cesariano que sofreu em condições subumanas, a selva certamente está presente, simbolizando a dor e a resistência durante os seis anos que durou seu seqüestro. Mas para encontrar sinais desse passado tão recente, é preciso ler seu livro, escrito ao ritmo de 12 horas diárias de trabalho entre julho e setembro, poucos meses depois da liberação, em janeiro de 2008.
Intitulado “Cautiva” e publicado pela editora Norma na Colômbia em meados de abril, o livro, segundo sua autora, não é um relato linear de suas experiências. “Tratei de não fazer uma apresentação cronológica, porque há épocas no seqüestro que são monótonas, e um dia é igual ao outro. O que fiz foi um planejamento de temas que queria abordar”, explicou a ex-cativa ao Opera Mundi.
A Clara de todos
Advogada especializada em direito comercial e tributário, Clara Rojas nasceu em Bogotá em 1963. Atuou vários anos como assessora legal, até que passou à vida pública, trabalhando em lugares como o Ministério de Comércio Exterior da Colômbia, onde conheceu Ingrid Betancourt. Mas o passado de Clara parece enterrado pelo título de ex-seqüestrada, limitando-se à imagem de diretora da campanha política de Betancourt. “Clara Rojas foi uma pessoa leal à Ingrid Betancourt, sua amiga e companheira de trabalho, e consistente como uma verdadeira chefe. Agora é uma pessoa pública”, definiu o especialista em Direitos Humanos Luis Eduardo Celis, da Fundação Nuevo Arco-Íris, que atua em processos de paz.
Clara também não traz seu passado às linhas de “Cautiva” ou nas entrevistas que dá à imprensa – o que hoje acontece o tempo todo, dentro e fora de seu país. O assunto, nesses casos, não é tampouco o que pretende fazer com a notoriedade que ganhou em troca de seis anos de seqüestro mas, especialmente, as condições em que seu bebê – símbolo do seu triunfo pessoal – nasceu e foi gerado.
Mas quem espera encontrar aí grandes revelações irá se decepcionar. No livro que por sua simplicidade dificilmente será um best seller, mas que certamente é um registro valioso, Clara trata da sua experiência, mas só daquela parte que não ousa ultrapassar as fronteiras emocionais e politicamente corretas da sua vivência pessoal.
Maternidade em cativeiro
O clímax do testemunho de Clara é o nascimento do filho, Emmanuel. Nas semanas anteriores a este momento, a prisioneira estava convencida de que daria à luz na selva, mas não esperava ter que enfrentar uma cesárea nas piores condições de higiene e com riscos de vida para ela e para o bebê.
Clara e o filho, Emannuel – Divulgação
Assumiu a situação sem auto-piedade, reafirmando sua fé católica, segundo ela mais viva que nunca em cativeiro, e ambos sobreviveram à operação de várias horas, mas por pouco. Clara despertou de anestesia enquanto ainda a costuravam e Emmanuel teve seu bracinho quebrado para poder ser retirado da barriga da mãe. “Quando acordei e terminavam de dar os pontos, me contaram que Emmanuel inicialmente não dava sinais de vida e que tiveram que recolocar minhas vísceras. Mas depois tudo ficou bem”, relata em tom sério e auto-respeitoso.
As semanas seguintes, para ela, foram de febre e dor intensas, mas nada comparado ao momento em que seu filho, aos oito meses, foi levado pelas Farc para receber tratamento médico. “Quando você não tem notícias do seu filho e não depende de você, é muito duro”.
Depois de perder Emmanuel, os dias de Clara começaram a repetir-se sem piedade, com poucas recompensas, como um rádio para escutar notícias e a satisfação de saber que alguém tinha conseguido escapar da guerrilha – como fez o ex-subintendente da polícia Jhon Frank Pinchao, que confirmou ao mundo a notícia dada antes pelo jornalista Jorge Enrique Botero (em seu livro “Últimas notícias de guerra”, de 2006) de que Clara tinha tido um filho na selva e que se chamava Emmanuel.
Começou então uma campanha pela liberdade de ambos. Através do presidente Hugo Chávez, foi planejada a primeira liberação unilateral por parte das Farc. Na ocasião, Clara não entendia porque a imprensa mencionava a liberação de Emmanuel, se a criança não estava com ela. Até que soube que ele estava há anos em Bogotá, sob a tutela do governo, que o identificou em um dos serviços de proteção social e fez os testes de DNA que confirmaram que se tratava de seu filho. Finalmente, sua liberação junto com Consuelo Gonzáles nos primeiros dias de 2008 pôs fim a um calvário de três anos, ao permitir seu emocionante reencontro com o filho.
Sobre a concepção durante o seqüestro, Clara insiste em afirmar que é algo reservado ao filho, “quando ele perguntar”. “Decidi não falar do tema, justamente para não criar mais polêmica e, em parte, porque considero que é parte da minha vida pessoal. Se há alguma inquietude, será tratada com o Emmanuel”.
* No exterior, “Cautiva” já está circulando em seis idiomas diferentes, incluindo o francês, o alemão e o português para o público de Portugal. No Brasil, o título ainda não há data de lançamento definida.
Leia a segunda parte do perfil:
Clara e Ingrid: amizade desfeita no cativeiro
Leia na íntegra o perfil de Clara Rojas
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