O Parlamento espanhol se prepara para uma jornada tensa nesta terça-feira (26/09), na qual o líder do Partido Popular (PP), Alberto Núñez Feijóo, protagonizará a cerimônia conhecida no país como “investidura”, pois tentará formar uma maioria legislativa suficiente para ser investido como primeiro-ministro.
Pela lei, após as eleições gerais – como a que aconteceu na Espanha em 23 de julho –, o primeiro a tentar formar a maioria parlamentar é o líder do partido que elegeu mais representantes. Neste caso, esse direito cabe ao PP, que obteve 137 vagas, das 350 existentes no Parlamento.
Contudo, para ter uma maioria simples e formar governo, são necessários 176 votos favoráveis. Apesar de ter a principal bancada, o partido de Feijóo não alcança esse quórum, nem mesmo somando os apoios do seu aliado natural, o partido de extrema direita Vox, que elegeu 33 representantes.
A união dos partidos de direita ficaria a seis votos da meta que consagraria Feijóo como novo premiê. Parece uma diferença pequena, mas segundo boa parte dos meios espanhóis, essa tarefa será muito difícil de ser alcançada.
Isso porque todas as demais bancadas representam setores de esquerda ou partidos regionalistas, que defendem maior autonomia política para suas terras de origem – alguns deles, inclusive, não escondem seu discurso a favor do independentismo.
Ainda assim, o PP aposta em que Feijóo possa alcançar a maioria necessária através de um “discurso” épico, apelando à unidade nacional e evocando o fato de que, desde o retorno da democracia ao país – em 1982, com o fim do regime do ditador Francisco Franco (1939-1975) e dos sete anos do chamado “período de transição” –, em todas as eleições, o partido mais votado conseguiu “investir” seu líder no cargo de primeiro-ministro, às vezes contando até com votos opositores, que alegaram “respeito à vontade da maioria nas urnas”.
Porém, essa estratégia esbarra no fato de que os demais partidos espanhóis não parecem estar dispostos a fazer esse gesto em favor de um governo que incluiria o Vox, devido ao seu discurso de perseguição contra algumas dessas legendas.
Em agosto, o PP chegou a propor ao Partido Socialista Operário da Espanha (PSOE), do atual premiê Pedro Sánchez, a formação de um “governo fracionado”, que excluiria o Vox, mas a oferta foi rechaçada.
Portanto, Feijóo precisará equalizar nesse possível “discurso épico” uma plataforma que consiga afastá-los da extrema direita o suficiente para receber novos apoios, sem perder os votos do seu principal aliado.
Referendo catalão volta à tona
Como em 2018, a Catalunha se´ra preponderante na hora de formar uma maioria. O curioso é que, devido às peculiaridades do cenário pós-eleitoral, seu papel será ainda mais decisivo desta vez do que na anterior, que ocorreu poucos meses após o conflitivo referendo independentista.
Em julho passado, os partidos Esquerda Republicana Catalã (ERC) e Juntos por Catalunha (partido de direita conhecido somente como “Junts”) elegeram sete representantes cada um.
Esses sete votos do Junts seriam suficientes para garantir a vitória de Feijóo, mas os analistas consideram pouco provável que a legenda apoie um político que está claramente contra a anistia dos políticos presos pela tentativa de referendo independentista de 2017.
Há seis anos, o então governador da Catalunha, Carles Piugdemont, representante do Junts, tentou promover um referendo para perguntar se os catalães eram favoráveis ou não à independência da região com relação à Espanha. A iniciativa foi fortemente reprimida pelo governo central espanhol, então comandado por um primeiro-ministro do PP, Mariano Rajoy (2011-2018), que a considerou como uma “tentativa de alimentar a divisão em todo o país”.
O referendo aconteceu no dia 1 de outubro de 2017 e terminou com 90,2% de votos favoráveis à proposta independentista. Puigdemont chegou a declarar a independência da Catalunha, baseado nesses resultados, mas a medida não foi reconhecida pela Espanha.
Dois anos depois, a Justiça da Espanha ordenou a prisão de nove autoridades regionais. Ao menos sete desses políticos continuam presos até hoje. Puigdemont foi um dos sentenciados, mas conseguiu fugir do país e se encontra exilado na Bélgica.
Na negociação para formação de governo, tanto o Junts quanto o ERC exigem, como condição para entregar seus votos, a anistia aos políticos independentistas presos há seis anos ou exilados em outros países.
Partido Popular da Espanha
Alberto Núñez Feijóo tentará ser investido como novo primeiro-ministro da Espanha nesta terça-feira (26/09)
Em agosto, o PP cogitou moderar seu discurso com relação ao independentismo, visando se aproximar ao menos do Junts ou do Partido Nacionalista Basco (PNV, por sua sigla em espanhol), também de direita e dono de seis votos no Parlamento, que também seriam suficientes para formar a almejada maioria.
Porém, a aliança com o Vox tornou impossível qualquer tipo de negociação com esses setores. O líder da extrema direita espanhola, Santiago Abascal – especulado como provável vice-premiê, caso Feijóo seja investido no cargo – se caracteriza, entre outras coisas, por ter um discurso violento contra todas as legendas regionalistas, de esquerda ou de direita.
No caso dos partidos bascos – além do PNV, também há o EH Bildu, de esquerda e dono de cinco votos –, Abascal costuma chamá-los de “terroristas”, fazendo alusão ao fato de que alguns dos seus representantes fizeram parte de organizações como o Pátria Basca e Liberdade, a já extinta guerrilha nacionalista que era mais conhecida como ETA, sua sigla em idioma basco.
Além de bascos e catalães, também poderiam decidir em favor de Feijóo outros três partidos regionalistas que elegeram um representante cada: a União do Povo de Navarra (centro-direita), a Coligação das Ilhas Canárias (centro-direita) e o Bloco Nacionalista Galego (centro-esquerda). Porém, nenhum deles parece disposto a apoiar o PP se o Vox continuar formando parte da coalizão.
Sánchez tem uma chance
Enquanto isso, o atual premiê Pedro Sánchez, líder do Partido Socialista Operário da Espanha (PSOE) e no mandato desde 2018, aguarda o que pode acontecer nesta terça-feira, vislumbrando uma possibilidade de se manter no cargo, dependendo das circunstâncias.
Feijó terá três chances de formar maioria – caso não consiga nesta terça-feira, haverá uma nova votação na quarta (27/09), e uma terceira e última, se necessário, na sexta-feira (29/09).
Se o PP falhar três vezes em obter os 176 votos necessários, o rei Felipe VI será obrigado a chamar os líderes dos principais partidos para uma nova rodada de reuniões.
Após esses encontros, se abrem duas possibilidades. Uma delas é que seja permitido a Sánchez a oportunidade de formar maioria. A outra é a convocação de novas eleições, provavelmente para novembro deste ano.
A permissão para Sánchez tentar formar maioria requer que o monarca considere que o resultado da esquerda nas eleições de 23 de julho é forte o suficiente para obter esse direito.
Na votação realizada há dois meses, o PSOE obteve 121 deputados e sua coalizão com o progressista Movimento Somar (herdeiro do extinto Podemos e liderado pela vice-premiê Yolanda Díaz), elegeu outros 31, formando uma bancada de 152 representantes.
Mesmo estando mais distante do quórum de 176, o governismo tem como trunfo o fato de que alcançou essa maioria necessária duas vezes desde aquela eleição: quando elegeu a socialista Francina Armengol como nova presidente da Câmara e quando se aprovou a lei que permite o uso dos idiomas basco, catalão e galego em cerimônias oficiais do Congresso.
Em ambas as votações, realizadas em agosto, o PSOE conseguiu o apoio de todos os parlamentares regionalistas, que juntos reúnem 28 votos.
Mesmo assim, caso o monarca espanhol conceda a Sánchez a oportunidade de formar maioria, será um desafio para ele conseguir os 14 votos dos partidos catalães, que até o momento se mostram irredutíveis com a exigência de anistia aos presos do referendo.
Se trata de uma medida com a qual o premiê socialista resiste em se comprometer. Em seus cinco anos de governo, em nenhum momento foi feito um gesto sequer em favor do perdão aos independentistas.
Com informações de Público.