Stella Assange, esposa de Julian Assange, jornalista conhecido por publicar os documentos que comprovam os crimes de guerra dos Estados Unidos no Afeganistão e Iraque, esteve nesta quinta-feira (16/11) em Lisboa, Portugal, para pedir apoio à libertação do seu companheiro.
Além de falar sobre o caso WikiLeaks no palco principal da Web Summit, a maior feira de tecnologia da Europa, Stella também respondeu a Opera Mundi sobre temas como Inteligência Artificial e a falta de uma regulamentação das redes sociais podem afetar a segurança de profissionais da comunicação em tempos de conflitos globais.
“O Julian vem alertando sobre o quanto a censura tem estado fora de controle. E há toda uma ‘indústria de censura’ à qual a tecnologia da informação está integrada. Estamos cada vez menos cientes de como a censura tem sido implementada. Acredito que isso é parte de um problema maior no qual existe uma cultura de problematização e securitização da informação, com a premissa da ‘informação perigosa’ que precisa ser mediada a um público que passou a ser tratado como infante. Portanto, essa tecnologia agora tem um papel crucial e precisamos de mais lideranças nessa área que funcionem como um contraponto”, argumetou.
A advogada e ativista também acusou o atual presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, de perseguição política afirmando que a sua administração criminaliza o direito das pessoas em saber a verdade sobre os fatos.
Ela relembrou ainda que foi na administração de Donald Trump que a acusação estabeleceu um precedente legal para conter a liberdade de imprensa. “Julian está preso e sendo castigado por ter exposto um super-poder. Tudo que ele publicou foi para o benefício do público. Puní-lo por isso é uma forma de considerar o jornalismo como um perigo e como algo que precisa de ser restringido”.
Chelsea Manning, ex-analista do exército norte-americano e fonte do WikiLeaks, também falou a respeito do papel da Inteligência Artificial no trabalho jornalístico. Em nome da Nym Technologies, empresa onde trabalha, ela veio apresentar um VPN (rede virtual privada) capaz de proteger os dados de quem usa redes de internet mistas, onde as mensagens são partilhadas e enviadas por caminhos diferentes.
Em 2013, Manning foi condenada pelo tribunal marcial por espionagem e outros crimes de vazamento de documentos militares, vídeos e telegramas para a WikiLeaks enquanto era analista de inteligência no Iraque. Mais tarde, em maio de 2017, o ex-presidente Barack Obama reduziu a sentença de Chelsea e ela foi libertada.
“O ambiente de informações que estamos vivendo agora está sujeito a uma enorme quantidade de notícias em uma maneira que muitas pessoas têm certa urgência em espalhar tudo aquilo que chega a elas, por sentirem que precisam logo mostrar um engajamento com o que está sendo veiculado através desses mecanismos das redes sociais. Uma das preocupações que tenho em relação ao desenvolvimento de Inteligência Artificial é no sentido da possibilidade de produzir um imagético muito convincente, em um deep fake, por exemplo, usando algumas pequenas partes de informação autêntica. O que acontece nesse ambiente também é que acaba por haver ceticismo quando a notícia é verdadeira e pensam que é um deep fake. Temos que implementar um padrão de verificação que seja efetivo a fim de evitar isso”, explicou.
Victor Souza
Stella Assange foi um dos destaques da edição do WebSummit 2023, realizado em Lisboa
A importância de Lula da Silva no caso Assange
Stella Assange também aproveitou a oportunidade para agradecer o apoio do presidente Lula e a diplomacia brasileira. Apesar dos trâmites complexos envolvendo o julgamento de Julian Assange, ela acredita que o Brasil é um grande aliado e pode vir a ser um local seguro para o jornalista, hoje com 52 anos.
No início de 2023, um grupo formado por cientistas, professores, jornalistas, sindicalistas e ex-ministros entregaram ao presidente brasileiro uma carta pedindo para que seja concedido um asilo político ao fundador da WikiLeaks, preso desde 2019 depois de passar sete anos abrigado na embaixada do Equador em Londres, totalizando 11 anos em privação de liberdade.
“O presidente Lula tem sido incrivelmente solidário fazendo tudo que ele pode assim como eu hoje. Até na Assembleia Geral da ONU ele usou o seu discurso de abertura para isso. Como vocês sabem, é um evento anual em que a ONU se reúne em Nova Iorque com os Estados para que se pronunciem. Durante o seu discurso, Lula disse que o Julian precisa ser solto e que esse foi um ataque global à liberdade de imprensa. E foi um momento sem precedentes, em uma sala cheia de chefes de Estado do mundo todo espontaneamente meio que em acordância quando o Julian foi mencionado. Precisamos de mais coisas assim”, reforçou.
Stella também cobrou o comprometimento de todos com o caso de Assange, pois segundo ela trata-se de uma questão de liberdade e manutenção das democracias. A ativista afirma que uma linha foi ultrapassada e que o caso do seu companheiro pode ser considerado um reenquadramento completo do jornalismo. “Precisamos que o Julian esteja no topo dos assuntos de todos aqueles que acreditam na liberdade de expressão e na liberdade de imprensa em todos os eventos. Porque essa é realmente a luta da nossa geração por uma democracia livre e aberta.”
Neste ano a Web Summit também ficou marcada pelo boicote de várias empresas e pela não participação do presidente da República portuguesa, Marcelo Rebelo de Sousa, que desde 2016 é chamado para encerrar a conferência. Diversas empresas e startups decidiram se retirar da feira após as declarações do ex-CEO Paddy Cosgrave, que condenou os ataques de Israel à Palestina.
O ministro da economia da Alemanha, Robert Habeck, também cancelou a sua participação cinco dias antes da conferência depois de receber uma carta aberta com a assinatura de mais de 300 empreendedores israelenses. A Volkswagen foi uma das grandes marcas a optar pela desistência.