Um voluntário francês, um médico italiano e uma enfermeira canadense da organização Médicos sem Fronteiras (MSF) da Bélgica foram sequestrados em Darfur, no oeste do Sudão. Segundo o responsável da organização não-governamental, Christopher Stokes, os três não sofreram violência física, estão em bom estado de saúde e foram alimentados, mas os demais funcionários serão retirados da região.
Segundo um porta-voz da União Africana em Darfur (Unamid), os sequestros ocorreram ontem (11) em Sharf Umra, 200 quilômetros a oeste de Al-Fasher, capital de Darfur do Norte. Dois sudaneses também foram levados e posteriormente soltos a 20 quilômetros do local do sequestro.
O MSF não considera que haja relação entre esse episódio e a decisão do governo do Sudão de expulsar as organizações humanitárias, tomada há uma semana, quando o Tribunal Penal Internacional emitiu uma ordem de prisão contra o presidente Omar al-Bashir por crimes de guerra e contra a humanidade. Em resposta, Bashir decretou a expulsão de 13 ONGs estrangeiras que trabalham no Sudão, entre elas as seções da Médicos sem Fronteiras da França e da Holanda.
O porta-voz do Ministério de Exteriores sudanês, Ali Sadeq, qualificou o sequestro de “ação atroz”. Ele garantiu que o governo fará o possível para libertar os reféns e insistiu no compromisso de proteger os trabalhadores das ONG.
Espionagem
O presidente alegou espionagem e descumprimento dos acordos assinados com o governo ao expulsar as organizações. Segundo ele, as ONGs Comitê Internacional de Resgate, Solidarites, Ação Contra a Fome, CHP International, Mercy Corps, Conselho de Refugiados Norueguês, Padco, Médicos Sem Fronteiras, Save the Children, Oxfam e Care International funcionavam como instrumentos dos países ocidentais para influenciar as próximas eleições presidenciais e parlamentares, previstas para este ano.
Bashir também acusou as 118 organizações estrangeiras que trabalham em Darfur de não gastarem todo o dinheiro que recebem. “A partir de agora, não vamos permitir que isso ocorra e estamos dispostos a cobrir o vazio econômico, se todas as organizações estrangeiras saírem”, acrescentou.
Mais de 100 agências humanitárias continuam a trabalhar no Sudão. A expulsão também não afeta o sul do país, que tem um governo autônomo surgido ao fim da primeira guerra civil, em 2005.
Os que vão e os que ficam
“Com a nossa saída, 600 mil pessoas dispersas por Darfur, Cartum [capital do Sudão] e o leste do país irão ficar sem atendimento. Nós provemos água para campos e vilas, instalamos latrinas e programas sanitários para prevenir cólera e malária.”, disse Allan Mcdonald, da Oxfam, em entrevista ao Opera Mundi.
Além do povo sudanês, as organizações deixaram para trás trabalhadores nacionais e equipes de negociação. “Nós ainda temos algumas pessoas lá, tentando conversar com o governo, e também temos 470 trabalhadores que são sudaneses, mas que não vão poder continuar o trabalho porque fomos proibidos de enviar recursos. As conversas com o governo sudanês não têm ido muito bem até o momento, mas continuamos tentando fazê-los mudar de idéia”, diz ele.
De acordo com Macdonald, nenhum dos trabalhadores da Oxfam sofreu violência, apesar de a saída ter sido intimidadora. “Eles confiscaram nossas câmeras, laptops, todo o nosso equipamento. Não sofremos violência física, mas foi uma situação de muita tensão”.
Em Darfur, a água provida por ONGs é usada para beber, lavar roupas, tomar banho e também para dar de beber ao gado. “400 mil pessoas em Darfur não têm acesso a água, remédios, abrigo e comida sem as ONGs. Serão muitos os necessitados agora que fomos expulsos, e talvez as dificuldades os forcem a ir para outros lugares onde eles possam ter acesso a essas coisas”.
Migração
O lugar mais provável para o deslocamento dessas populações é o vizinho Chade, onde estão cerca de 250 mil dos 2 milhões de refugiados de Darfur, segundo a ONU. Lá, as organizações expulsas continuam atuando.
Melanie Brooks, da ONG Care International, conta que o monitoramento dessa possível onda migratória já começou. “A Care International é uma das maiores organizações não governamentais do Chade. Já estamos preparando recursos e trabalhadores para atender a qualquer aumento que possa acontecer no número de refugiados nessa região”.
A ONU estimou que, com a expulsão das organizações, 1,1 milhão de pessoas deixarão de receber alimentos, 1,5 milhão terão a assistência de saúde ameaçada e 1,6 milhão podem deixar de ter acesso a água potável, saneamento e serviços higiênicos.
Além disso, o Unicef (Fundo das Nações Unidas para a Infância) destacou que cerca de 300 mil crianças não poderão voltar às aulas, em meados de abril, se as organizações não tiverem permissão para retornar.
Três equipes conjuntas da ONU e do governo sudanês estão visitando a região de Darfur para avaliar as necessidades mais imediatas de milhões de pessoas. A porta-voz do Escritório para a Coordenação de Assuntos Humanitários da ONU (Ocha), Elizabeth Byrs, disse que as equipes analisarão as necessidades em termos de nutrição, água e alojamentos.
Segundo ela, estas organizações faziam 40% de todos os trabalhos humanitários em Darfur.
NULL
NULL
NULL