O Vaticano irá retirar o siglo de documentos relativos à ditadura militar da Argentina (1976-1983), reportou neste sábado (19/03) a Télam, agência de notícias oficial argentina. A Santa Sé não estabeleceu um prazo para a liberação dos arquivos.
“A ordem leva seu tempo porque implica na leitura e classificação dos documentos. Alguns estavam mais organizados e outros necessitam de mais atenção”, declarou à Télam Carlos Malfa, secretário-geral da Conferência Episcopal Argentina, após ter se reunido como o papa Francisco.
Arquivo Abuelas de Plaza de Mayo
Documentos abertos pelos EUA em 2002 indicaram que de fato havia um plano sistemático de sequestro de bebês de detidas da ditadura
Sobre o conteúdo dos documentos, Malfa explicou que “em geral trata-se de cartas que foram recebidas e solicitavam saber o paradeiro de desaparecidos detidos ou algo nesse sentido. Há também recortes de jornais da época”. “Não podemos estipular um prazo, mas se está trabalhando nisso”, disse.
Na última quinta-feira (17/03), o governo dos Estados Unidos declarou que iria desclassificar documentos relativos à ditadura militar argentina. O presidente Barack Obama fará uma viagem oficial à Argentina na próxima semana.
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“A pedido do governo argentino, o presidente [Obama] anunciará um amplo esforço para retirar o sigilo de mais documentos, incluindo, pela primeira vez, registros militares e da inteligência”, declarou Susan Rice, assessora de Segurança Nacional. No dia 24 de março, data em que o golpe de Estado na Argentina completará 40 anos, Obama estará no país e deverá fazer o anúncio oficial da medida.
Na véspera, dia 23, o papa Francisco irá receber familiares de vítimas e desaparecidos no regime militar. Segundo fontes da Santa Sé informaram à Télam, o pontífice se reunirá com parentes da modelo e militante Marie-Anne Erize Tisseau, desaparecida em 1976; da monja francesa Leonie Duquet, desaparecida no mesmo ano; do dirigente comunista Alberto Carvajal, assassinado em 1977, e do arcebispo salvadorenho Óscar Romero, assassinado em 1980 e beatificado em 2015.
Diego Cambiaso/FlickrCC
Papa em 2015: “a Igreja fará uma autocrítica sobre seu papel durante o terrorismo de Estado e que abrirá seus arquivos sobre o período”
O papa Francisco é acusado por estudiosos do período da ditadura de ser um colaborador do regime militar no país. “Ele ajudou a ditadura desarmando o trabalho social que os jesuítas faziam nos bairros pobres, apoiando [Emilio Eduardo] Massera [comandante da Marinha e integrante da Junta Militar] na luta interna com [Jorge Rafael] Videla [ditador do país entre 1976 e 1981] e entregando os sacerdotes mais comprometidos, que foram sequestrados e o acusam de deixá-los desprotegidos”, disse o jornalista Horacio Verbitsky, autor de diversos livros sobre a ditadura argentina e a Igreja Católica, em entrevista a Opera Mundi em 2013, logo após Jorge Mario Bergoglio ter sido eleito papa.
Uruguai
“Os arquivos sobre as ditaduras vão ser abertos”, disse o papa ao embaixador do Uruguai no Vaticano, Francisco Ottonelli, se referindo aos documentos sobre as ditaduras militares de países sul-americanos. Ottonelli afirmou à Télam que o pontífice pediu para que ele tratasse do procedimento com Giuseppe Laterza, da Secretaria de Estado do Vaticano, a fim de que a questão seja tratada pela Conferência Episcopal uruguaia.
No ano passado, Laterza disse a Angela Lita Boitano, presidente da associação argentina Familiares de Detidos e Desaparecidos por Razões Políticas, que seriam revelados documentos sobre a ditadura da Argentina que estão em posse do Vaticano. Segundo Otonelli, a abertura dos arquivos do Vaticano foi “a primeira tarefa” que lhe foi instruída pelo presidente uruguaio, Tabaré Vázquez, que o nomeou embaixador em 2015.
Após reunião com o papa em abril do ano passado, Lita Boitano ainda afirmou que o pontífice havia dito que “a Igreja fará uma autocrítica sobre seu papel durante o terrorismo de Estado e que abrirá seus arquivos sobre esse período”.